*Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva
Psicóloga CRP 06/111120
Falar sobre a adolescência costuma ser desafiante, ainda mais quando nós adultos identificamos que a atual geração tem se desenvolvido de forma diferente de nós e com características próprias que não reconhecemos ou não fazem parte do nosso repertório habitual (comportamentos, músicas, hobbies, relações amorosas...).
É complicado lidarmos com as ironias, os enfrentamentos, o descaso, a hostilidade, a instabilidade emocional que por vezes acontece. Também é custoso compreendermos a dificuldade que os nossos adolescentes têm apresentado para se manterem concentrados em uma atividade por um tempo maior, como por exemplo, atentar para a explicação do professor em sala de aula, ao ler um livro em casa ou ao estudar para uma prova. Não apenas isso, mas parece que tem se tornado difícil a concretização das atividades propostas, pois costumam fazer diversas interrupções. Começam a arrumar o quarto, mas no meio da atividade se distraem com o celular ou o computador.
Um dos motivos que sem dúvida tem contribuído para esse cenário é a presença naturalizada da tecnologia, seus aparelhos e da amplitude de informações que temos acesso atualmente. A própria “timeline” do Facebook é um exemplo da rapidez com que as informações chegam até nós e se atualizam. Isso já é parte da nossa vida e de nossos adolescentes, de forma que temos que compreender esses aspectos não como um problema, mas como algo que precisamos nos adaptar, incorporar no dia a dia, extraindo o que há de melhor dessas funcionalidades.
Assumir um discurso sentimentalista de que “no meu tempo era diferente”, não irá ajudar a nos aproximarmos dos adolescentes ou sensibilizá-los para que adotem uma postura diferente perante algumas situações. Possivelmente não compreenderão, pois faz pouco sentido para eles, o tempo deles é outro, é o hoje. Não é que iremos desconsiderar o que vivemos e aprendemos ao longo da nossa própria história, mas não podemos nos prender a isso se quisermos construir uma relação de qualidade com a atual geração.
Se formos sinceros conosco, perceberemos que muitas vezes exigimos dos adolescentes atitudes e comportamentos que nós mesmos não seguimos. Assumimos um discurso impositivo com a finalidade de repreendê-los, mas não admitimos esse tipo de relação em nossa vida privada com colegas de trabalho, parceiros, chefes. Esquecemos que os adolescentes, por mais que possam testar os nossos limites, são seres humanos em desenvolvimento que precisam de cuidado, orientação e respeito.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Capítulo II - Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade - apresenta que:
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis (ECA, 2012, p.17).
O direito à liberdade inclui o direito à opinião e expressão. O direito ao respeito consiste em não violar a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, preservando a sua imagem, identidade, autonomia, valores, ideias e crenças, espaços e objetos pessoais. Por fim, o Estatuto assegura que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (ECA, 2012, p.17).
Os preceitos do ECA estabelecem os direitos fundamentais de cidadania e respeito à pessoa humana do adolescente. Eles nos mostram a importância de repensarmos constantemente o modo como enxergamos e nos relacionamos com esses jovens, sendo que, em alguns casos, nos sentimos superiores e esquecemos de reconhecer que à nossa frente está um ser humano com uma identidade própria, que, mesmo sendo diferente de mim, possui autonomia de pensamento e recursos pessoais que podem ser valorosos.
A adolescência como etapa do desenvolvimento humano é em si desafiadora e repleta de incertezas. O adolescente tende a querer se diferenciar dos seus aspectos infantis para começar a estruturar novas maneiras de ser no mundo. Em geral, existe a necessidade de se opor às gerações passadas para afirma-se, criar uma identidade singular e lançar-se ao novo. A riqueza da adolescência é justamente a possibilidade de se arriscar, mesmo sem a certeza de que é o certo a fazer. É o espírito adolescente que de alguma forma transforma e impulsiona a sociedade a não se acomodar, a questionar, a aprender com os erros, mas acima de tudo, a persistir.
O psicanalista inglês Donald Winnicott ressalta que "a imaturidade é uma parte preciosa da adolescência. Nela estão contidos os aspectos mais excitantes do pensamento criativo, sentimentos novos e diferentes, ideias de um novo viver" (WINNICOTT, 1975, p.198). Esta imaturidade aqui referida não significa desresponsabilizar o adolescente pelos seus comportamentos, mas evidencia a possibilidade de falhar, ousar, tentar. Não devemos sufocar as aspirações adolescentes, mas aprender com elas, tornando-nos mais abertos às nossas próprias tentativas de transformação pessoal.
Ao mesmo tempo em que a adolescência estimula a vivência de tantas perspectivas diferentes diante da vida, necessita de parâmetros que ofereçam um limite e norteiem o seu desenvolvimento. Para que os adolescentes possam se lançar às experiências, precisam sentir que existe um lugar seguro e que os respeita, para o qual podem retornar quando precisarem. Um ambiente estável que dê um contorno e ofereça certa contenção. O papel dos adultos é o de ser esse ambiente seguro e confiável, sem tornar-se invasivo.
Se nós adultos nos sentimos inseguros, falhamos, brigamos, temos preguiça, por qual motivo somos tão intolerantes com os adolescentes? É claro que será mais prazeroso para eles passarem a tarde acompanhando os vídeos do Snapchat, do Youtube ou jogando videogame, do que se ocupando com as tarefas de casa ou os cursos extracurriculares. Ao invés de repreendê-los, devemos reconhecer as próprias debilidades que nos acompanham na vida adulta, mostrando que todos temos fragilidades e passamos por dificuldades, e por isso mesmo nos enveredamos diariamente na busca por superação e aperfeiçoamento.
Não quero dizer que o trabalho com adolescentes é uma experiência tranquila, pelo contrário, é provocante, pois somos colocados todo momento à prova. Nosso conhecimento é testado, exige-se paciência, mas acima de tudo, empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro. Precisamos cuidar para não nos dispormos em um grau de superioridade, subestimando a capacidade adolescente. O adulto deve manter a função de autoridade, mas não assumir o poder da superioridade.
Na minha experiência clínica com adolescentes aprendo constantemente que, quanto mais eu quebro as barreiras que tendem a me levar a uma posição superior e coloco-me como um ser humano que fala com outro ser humano, mais fácil consigo construir um laço com os adolescentes. Quando consigo demonstrar que verdadeiramente escuto o que me dizem, que dou importância aos seus conflitos e sofrimentos, sem desprezá-los, confiam e me respeitam com maior facilidade.
Não é preciso nos comportarmos como um adolescente para conseguirmos a sua atenção. Devemos ser adultos e assumir essa postura, mas respeitando a condição adolescente dos nossos jovens.
Sempre haverá impasses na relação adulto-adolescente, porém, aqueles que se dispõem a trabalhar e se relacionar de perto com essa etapa desenvolvimentista, precisam acolher as dificuldades e possibilidades existentes nesse desafio. Nós, que hoje somos adultos, algum dia fomos adolescentes. Alguns deram mais “trabalho”, outros menos, no entanto, em algum momento todos passamos por questões semelhantes à adolescência atual (rebeldia, insegurança, medos). Por fim, digo que os adolescentes continuarão incomodando, questionando e colocando o mundo à prova!
*Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva é especialista em Psicanálise e Mestre em Psicologia Clínica pela USP
BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Estatuto da Criança e do Adolescente. 7.ed., 2012. Disponível em: <http://9cndca.sdh.gov.br/legislacao/Lei8069.pdf>. Acesso em 08 de jul. 2016.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
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