domingo, 12 de maio de 2013

EDUCAÇÃO: na sala de aula tem um artista ( GAZETA DO POVO)

Sistema educacional ainda tropeça na hora de identificar alunos talhados para as artes e ciências, frustrando talentos que poderiam ser revelados pelas escolas

Publicado em 12/05/2013 | José Carlos Fernandes
                                                                                                           Fotos: Andre Rodrigues / Gazeta do Povo
Fotos: Andre Rodrigues / Gazeta do Povo /
 
A palavra “talento” pode causar urticárias em pedagogos e professores em geral. Motivo? O termo está por demais associado ao mundo corporativo, que o adotou para batizar programas de garimpagem de futuros profissionais. A escola, sabe-se, não quer se confundir com as empresas. Prefere usar expressões como “potencialidades” e “habilidades” e é a elas que recorre ao se ver diante de alunos com “pendores” especiais. O problema, porém, mais do que semântico, é saber o que fazer quando um candidato a Einstein, a Picasso ou a Nijinski está na lista de chamada.
 
Raro encontrar um educador que não tenha vivido essa situação pelo menos uma vez. “Foi um dia de alegria e de tormenta”, costumam dizer. Diante de um vocacionado para a dança, para a música ou para o teatro, por exemplo, fica a surpresa, mas também a amargura diante de um sistema de ensino com pouco a oferecer, pesando sobre ele, mais uma vez, a acusação de ser um matadouro de futuros artistas e cientistas. Resta, nesses casos, esperar que por milagre alguma empresa financie o jovem promissor.


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Hora de fazer pose embaixo da barraca
Aos 10 anos
“Mitologia em geral”, responde Letícia Neuber ao ser perguntada sobre o projeto pessoal de estudos que desenvolve em 2013. Diz-se preocupada em saber de deuses menos conhecidos de todos os olimpos. Ano passado estudou os cetáceos. Ao mesmo tempo, Gisele Mazeika conta do livro que está escrevendo – sobre uma princesa com amnésia. Avisa que não é autobiográfico e que é seu segundo livro. A conversa fica animada com a blague de Jeasy Parreira – ele já sabe o que vai ser quando crescer: “Adulto”. Risos. E brinda a todos com um solo de violino de “Além do Arco-Íris”. “Quero ser cineasta”, dispara o já quadrinista Emanuel Plinta. “E eu ator”, diz a revelação nos palcos escolares João Pedro Kimura. Essa trupe (foto) faz parte de um grupo de altas habilidades da Secretaria Municipal de Educação e é orientada pela arte educadora Josilene de Oliveira Fonseca. Idade média da turma: 10 anos.
 
O dilema costuma ser maior na rede pública de ensino. Diante dos equipamentos sucateados, indisciplina e toda sorte de dificuldades, os talentos desse ou daquele aluno tendem a ir para o arquivo morto. Por ironia, é na rede pública que ganha impulso uma espécie de movimento, ainda subterrâneo, em prol da criança e do adolescente talhado para alguma arte e demais ramos do saber.
Chega a ser curioso: o ensino começou a sair da apatia que a faz “desperdiçar cérebros” graças ao avanço dos programas de inclusão de pessoas com deficiência, no início desta década. “De repente, nós nos demos conta de que estávamos trabalhando pelo aluno com problemas de mobilidade e esquecendo de um outro grupo, que acaba se desinteressando pela escola porque ela não satisfaz sua imensa capacidade”, conta Eliane Titon Hotz, membro da Associação Brasileira de Altas Habilidades e coordenadora de programa de superdotação na Secretaria Municipal de Educação.
 
Com base nos estudos de múltiplas inteligências, esses programas de acompanhamento que pipocam em todo o país estão de olho em prováveis esportistas, dançarinos, artistas plásticos e músicos, uma turma que não costuma ser conhecida por fazer silêncio em sala de aula ou tirar notas azuis.
A reportagem da Gazeta do Povo conversou com oito interessados do assunto – todos relataram que é comum encontrar entre alunos multitalentosos quem tenha recebido diagnóstico de hiperatividade, bipolaridade e similares, não raro tomando remédios como Ritalina.
 
Desconfiança
Os núcleos de altas habilidades que se formam aqui e ali estão longe de salvar esses alunos do tédio que o ensino formal lhes provoca. A cultura escolar – avessa a tudo que lembre competição ou distinção – faz com que essas iniciativas extracurriculares ainda sejam vistas com desconfiança. Teme-se, do mesmo modo, tomar a propensão às artes e ciências como um feito extraordinário. Outro obstáculo são os próprios pais, que, ao verem seus filhos identificados com superdotação, passam a apresentá-los como iluminados, enchendo-os de ansiedade.
 
“O ideal seria que os programas de atividades que fazemos fossem estendidos a toda escola”, admite a doutoranda em Educação Denise Pereira Lima, da Secretaria de Estado da Educação, posto que há vários níveis possíveis de altas habilidades. Só os mais destacados são identificados pelos núcleos. A expectativa é de que o avanço das escolas com período integral sane essa dificuldade, aumentando a carga horária de atividades criativas e de pesquisa.
 
Ainda assim vai ficar faltando uma peça para que a escola não dependa tanto de uma empresa caça talentos para redimir seus alunos – a existência de uma “cidade educadora”. O alerta é dado pela pesquisadora Sônia Haracemiv, do setor de Ensino e Práticas de Educação da UFPR. Ela toca o ponto. Parte do sufoco das escolas seria sanado se o equipamento cultural – como teatros e museus – e o tecnológico tivessem suas portas naturalmente abertas para a educação.
 
Há faúlhas dessas parcerias, mas são tímidas. Será perfeito o momento em que, diante de um provável dançarino e músico erudito, o professor possa ligar para um corpo de baile ou para uma orquestra avisando que tem talento novo na área, estendendo a sala de aula até lá. A turma que trabalha com altas habilidades espera por esse dia, pronta para dividir com artistas e cientistas a alegria de descobrir um talento, qualquer que seja o nome que se queira dar.
 
Também foram consultados para esta reportagem: consultor Marcos Meier; Roseli Alves, da Fundação Iochpe; Mari Ângela Calderari, do Núcleo de Prática em Psicologia da PUCPR; arte educadora Joseli de Oliveira Fonseca, da SME; relações pública Jessica Maris Maciel, do Hub Curitiba.
 
Questões abertas
Confira diagnóstico e “agenda positiva” sobre a percepção de talentos nas escolas, feitos com a ajuda da pesquisadora Sônia Haracemiv, da UFPR; do consultor Marcos Meier; da arte educadora Roseli Alves, da Fundação Iochpe, e da psicóloga Mari Ângela Calderari, da PUCPR:
 
Cultura educacional
Aluno bom é, em primeiro lugar, aluno que vai bem em Matemática e depois em Português. São para os craques em cálculos, em especial, as gincanas nacionais de desempenho. Contudo, com base nos estudos de inteligência múltipla desenvolvidos por Howard Gardner, educadores voltados para as altas habilidades têm chamado atenção para talentos no movimento (corporal sinestésico), nas relações interpessoais e na expressão plástica, que são, em geral, mais difíceis de serem identificados e valorizados.
 
Currículo escolar
Os núcleos de altas habilidades têm servido para reforçar o já acalorado debate sobre urgência da reforma curricular. Se as inteligências são múltiplas, os educandos têm direito a uma escola que considere essas sensibilidades e o percurso de conhecimento que exigem. “Estamos longe do ideal. Nosso currículo segue parâmetros do século 19. Valoriza-se a técnica e não a criação”, observa Meier.
 
Ensino de artes
Roseli Alves acredita que a descoberta dos talentos não se resolve apenas nos programas de altas habilidades. “Precisamos uma nova política para o ensino de Artes. É uma disciplina ainda marginal”, diz. Com o avanço do ensino integral, diz, a tendência é o aumento de disciplinas de música, teatro, dança e artes visuais lecionadas por professores do ramo, o que por si só há de revelar alunos afinados com essas linguagens.
 
Iniciativas
São por vezes heroicos os esforços de muitos professores para aumentar a interação das escolas com a cultura e a ciência, criando pequenos projetos e trazendo a sociedade para dentro da escola. A promoção de talentos ganha, mas o próximo passo é conquistar ações mais integradas e acompanhamento individual dos alunos. Do contrário, um dom para o desenho ou para a música pode ficar estacionado.
 
Modelo inglês
A relações públicas Jessica Maris Maciel, 22 anos, é uma das sócias do escritório de empreendedorismo Hub Curitiba e teve sua formação básica em escolas britânicas.
 
Lá, coral, teatro, instrumento e teatro são disciplinas obrigatórias. A identificação de talentos artísticos é uma política de Estado, reforçada na célebre gestão do ministro Chris Smith, na virada do século 20.
 
“Nas oficinas que promovemos aqui na cidade me surpreendo com a quantidade de empreendedores que contam ter visto sua criatividade inibida pelas escolas brasileiras. Eles descobrem o valor da iniciativa quando já são adultos”, comenta

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