Enquanto há deslumbramento com tecnologia, corremos o risco de esquecermos o principal: o currículo conteudista ainda está vivo e passa bem
Por Alexandre Le Voci Sayad*
Não há pessimista capaz de achar ruim o fato da educação brasileira, num período de dez anos, ter virado uma pauta importante de conversa, do motorista de taxi ao parlamentar. Antes disso, era papo de intelectual.
A notícia não muito boa é que muitos vícios e mazelas da velha educação parecem ter sido transmitidos para uma nova geração de jovens criativos e, sobretudo, bem intencionados. Basta frequentar eventos de aceleradoras ou incubadoras de negócios para constatar que há uma enxurrada de aplicativos e gadgets desenvolvidos por estudantes que procuram “transformar” a sala de aula e a maneira com que a educação encara os desafios deste mundo. De perto, essa é uma possibilidade remota pelo que é apresentado por eles.
É importante notar: a educação jamais será transformada por pensadores. Essa é o amargo legado que as conservadoras faculdades de Pedagogia deixaram às políticas públicas brasileiras nos últimos 50 anos, exumando os cadáveres dos pensadores do passado. O universo da educação precisava mesmo dessa invasão bárbara de engenheiros, jornalistas, médicos e outros tantos.
O que tem faltado aos novos empreendedores de start-ups e criadores de aplicativos é um olhar sistêmico sobre o tema e a troca de conhecimento com que está na linha de frente, ou seja, o professor e diretor da escola. Aliás, essa é uma geração que trabalha em rede mas tem muita dificuldade em escutar o colega ao lado.
Em uma recente pesquisa, a Fundação Lemann e o Instituto Inspirare listaram tendências na área de inovação que realmente impactam no que importa: o currículo. A flexibilização do mesmo, juntamente com formas inovadoras de gestão e avaliação, aliadas a uma formação de docentes remodelada são as únicas formas de transformar de fato a educação de um país.
Os aplicativos, sites e outras novidades tecnológicas têm de estar alinhadas com ações de alguma dessas frentes para tornar real impacto de transformação. Eles não tem valor por si só.
Para não ser injusto, há boas novidades nas áreas do ensino adaptativo e do uso de games (para citar dois itens da pesquisa que mencionei), que apresentam esse potencial.
Criar protótipos e arriscar são parte importante do universo da criação. Mas quando escuto a justificativa de algum desses empreendedores sinto que a educação a qual eles se referem não é a mesma que eu conheço. Há pouco trabalho de pesquisa sobre estrutura e conjuntura do cenário e muitas abordagens sobre o tema parecem ingênuas.
O pais vive um momento de fetiche e deslumbramento pela tecnologia na educação. Meu único receio é que nesse deleite, esqueçamos o principal: o currículo conteudista ainda está vivo e passa bem. Se esquecermos do pano de fundo e não contextualizarmos as ideias e criações, não vamos passar de uma nação de “Mister Makers” da educação: pode até se divertido criar, mas fica nisso mesmo.
PS: Para quem viveu a infância nos anos 80 e não tem filhos substitua no texto o termo “Mister Maker” por “Daniel Azulay” e tudo fará sentido.
* ALEXANDRE LE VOCI SAYAD É JORNALISTA E EDUCADOR. É FUNDADOR DO MEL (MEDIA EDUCATION LAB) E AUTOR DO LIVRO IDADE MÍDIA: A COMUNICAÇÃO REINVENTADA NA ESCOLA, PUBLICADO PELA EDITORA ALEPH.
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