segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

EFEITOS DA DOR APÓS A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA ( Por Rogério Thadeu )


                                                                                      *Rogério Thaddeu

   Os efeitos de tragédias como a que ocorreu neste final de semana em Santa Maria no Rio Grande do Sul, costumam escapar às estatísticas e nem sempre são levadas em consideração pela sociedade. Catástrofes naturais ou ações que envolvem mais diretamente a ação do homem, como a violência, produz impactos variáveis nas pessoas, dependendo de sua história de vida, sua personalidade, sobretudo, a maneira como expressam seus sentimentos.

     A atenção aos sobreviventes das tragédias e às famílias das vítimas deve ser redobrada, não somente após o impacto inicial do acontecimento, mas sobretudo, durante um longo período de meses e anos.  Este cuidado se deve ao fato de que o nosso psiquismo absorve os eventos da vida de uma forma atemporal, ou seja, a noção de tempo cronológico não existe para o nosso inconsciente, deixando marcas indeléveis. No entanto, a possibilidade de expressar alguns sentimentos como a raiva e a revolta, que faz com que algumas pessoas gritem, se desesperem, chorem a sua dor ou mesmo culpem alguém (seja os responsáveis pelo estabelecimento ou mesmo a figura de Deus), costuma ser um comportamento normal e transitório. Ou seja, é saudável expressar a raiva e mesmo a revolta diante das perdas, das frustrações e é por esta razão que muitas pessoas poderão gritar, xingar, chorar e até mesmo, culpar alguém. Durante os primeiros momentos após a perda, costumamos nos questionar sobre o “porque” das coisas. Neste período, podem existir questionamentos sobre o significado da vida, sobre as crenças e valores, colocando em dúvida sobre se realmente vale a pena viver. Quando isto ocorre, é preciso observar quais são as impressões que as pessoas possuem à respeito da vida. A forma mais adequada para se saber é permitir que a pessoa converse sobre o ocorrido, bem como, sobre como se sente. É importante observar como está a raiva desta pessoa, a revolta, o medo, a culpa. Chamamos a raiva, o medo e a culpa de tripé neurótico. Ou seja, é importante que estes sentimentos possam existir em alguma medida e que durante algum tempo eles possam dar lugar ao sentimento de saudade. O luto normal deve fazer com que a pessoa gradativamente dirija a sua energia para outras pessoas, bem como, outros projetos de vida. Quando a energia fica presa à pessoa que se perdeu por anos, sem possibilidade de incluir outros vínculos, estamos falando de uma situação de luto que se tornou patológica, fazendo com que a pessoa desenvolva um quadro depressivo, muitas vezes, causado por aquilo que a psiquiatria chama de transtorno de estresse pós-traumático. Não é somente o psiquismo que “adoece”. O corpo pode dar sinais de que a dor emocional está insuportável. Doenças autoimunes, câncer, doenças dermatológicas, entre outras, podem ocorrer diante de um trauma psíquico que não teve condições de ser elaborado psicologicamente, ou seja, que não teve espaço para ser falado, comunicado, acolhido.

     Algumas pessoas que não conseguem elaborar a perda de uma forma mais saudável, costumam sentir raiva de si mesmas e das pessoas, mesmo passado alguns anos da perda. Quando a pessoa que não está bem emocionalmente e que não fez o luto de uma forma saudável vê uma família “feliz”, na sua maneira de perceber, sente inveja e raiva. Em situações mais extremas, estas pessoas dirigem a raiva contra si mesmas, tentando suicídio, às vezes, na tentativa de se “encontrar” com a pessoa que morreu, outras vezes, dirigindo a raiva para os outros, agredindo verbalmente ou fisicamente os demais familiares. Quando isto ocorre, sinaliza que a autoestima da pessoa está abalada profundamente e precisará de ajuda especializada. Portanto, deixemos espaço para que os sobreviventes desta dramática tragédia e os familiares das vítimas possam chorar e gritar a sua dor para depois colocar em palavras o que sentem. Para isso, é preciso que existam pessoas para escutá-las (sejam profissionais, sejam familiares e amigos). Mas como instituir um espaço de escuta e de diálogo numa sociedade marcada pela pressa e pela falta de tempo?  Não aprendemos somente com o amor, mas, sobretudo com a dor. Que possamos refletir sobre nossas vidas.

Rogério Thaddeu é psicoterapeuta, especialista em saúde mental. Mestrando em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Fafijan. Professor de psicanálise e psicopatologia do Instituto Rhema de Pós-graduação. Coordenador do GEPPI – Grupo de Estudos em Psicanálise e Psicopatologias. Membro do Grupo de Estudos em Psicopatologias da família, infância e adolescência na Sociedade Médica de Londrina.  Autor de: No limite das emoções, A mente Cura e Alcoolismo, prazer ,dependência e invenção.

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