17.07.2013
*Por Cláudio Silva
É uma aventura
curiosa rever agora na maturidade leituras da adolescência e juventude. Eu
havia recém-concluído Guerra e Paz,
de Tolstoi, uma empreitada de fôlego, que durou mais de um ano para dar cabo dos
quatro grossos volumes que compõem a obra. Valeu a pena, porque faz jus ao
prefácio de Ivan Pinheiro Machado, que a inclui entre as grandes obras
produzidas pelo ser humano, como “Guernica”, de Pablo Picasso, “David”, de
Michelangelo, “A Flauta Mágica”, de
Mozart e “Monalisa”, de Leonardo da
Vinci.
Na
sequência, ao procurar por algo mais leve, optei pela
releitura do romance “O Príncipe
e o Mendigo”, de Mark Twain. Que impressões essa leitura provocaria em mim nessa
etapa da vida? Faria aflorar novas percepções não alcançadas naquela época? A
escritora Léa Masina afirma que Twain, utilizando uma linguagem apropriada a
aventuras infanto-juvenis, “soube mostrar o interior de cada um, e a hipocrisia
que veste a sociedade.”
Alguns
aspectos emergem logo no início da trama. Apesar das diferenças aparentes, os
seres humanos se igualam na sua essência. Isso é evidenciado na escolha dos
protagonistas centrais: duas crianças de fisionomias muito parecidas, mas de
condições sociais opostas. Uma nascida na opulência da realeza e a outra na
extrema pobreza. Mas fica evidente o peso que Twain dá à educação na formação do
indivíduo, deixando claro que, independentemente da condição social, a educação
e a cultura provocam transformações substanciais nas pessoas.
Tom, apesar de
mendigo, tem algum preparo intelectual,
que lhe permite a façanha de passar-se
por Edward, o príncipe de Gales. Assim como outras crianças do seu cortiço,
teve a felicidade de ser educado por um bondoso sacerdote, com quem aprendeu a
ler e escrever, boas maneiras e latim, além de poder dispor com frequência dos
livros do padre que, diante de sua curiosidade, explicava-lhe e comentava o
conteúdo. Tais atitudes do sacerdote despertaram em Tom a sede permanente de
aprender cada vez mais. E as leituras, à medida que provocavam mudanças em seu ser
e faziam crescer a sua consciência sobre as injustiças sociais, também
aumentavam a influência que passara a exercer no seu meio. As pessoas nutriam
por ele “uma espécie de temor admirado, como um ser superior”, sublinha o
autor. Complementando, “Adultos traziam suas perplexidades para que ele as
resolvesse e ficavam espantados com a inteligência e sabedoria de suas
decisões.”
No caso de
Edward, o príncipe, a sua condição real já lhe assegurava uma vida de regalias,
além de receber um cuidadoso preparo cultural para no futuro ocupar o trono. No
entanto, ressentia-se da solidão imposta pela sua condição, nutria uma
curiosidade por experimentar a liberdade e, principalmente, os folguedos com que se divertiam
espontaneamente as crianças do seu reino, até as mais pobres dentre elas. Ele,
no entanto, tinha todos os privilégios, mas era uma criança só. (solitária)
A narrativa
também realça a hipocrisia de uma sociedade de valorização de aparências,
posses, títulos e cargos. Os dois meninos, ao inverterem, por brincadeira, os
seus papéis sociais, simbolicamente representados pela troca das respectivas
vestimentas, passam a receber tratamentos distintos das pessoas que os
confundem. O príncipe, em sua nova condição de mendigo, toma consciência, experimentando na própria pele a indiferença, a
truculência e as injustiças praticadas pelos poderosos do seu reino contra os
pobres. E o mendigo, por sua vez, passa a experimentar como príncipe de um
mundo de superficialidade, marcado por privilégios e bajulações, além dos
intrincados jogos de poder, interesses e deslizes éticos de pessoas
inescrupulosas que se locupletavam nos bastidores da realeza. Mas fica evidente
que o seu preparo cultural, embora incompleto, facilita a sua adaptação,
habilitando-o a lidar com as dificuldades e desafios que encontrou na nova condição.
A obra de
Twain nos permite a reflexão de que se for dada às crianças igualdade de
oportunidades educacionais e sociais consistentes, todas poderão conquistar
dignidade e alçar voos a patamares inimagináveis. Está aí a história do
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Joaquim Barbosa, para comprová-lo.
E, possivelmente, assim como a minha, também a sua história pessoal, caro leitor, seja a de um desses casos cujo
destino a educação redirecionou.
Foi uma
agradável releitura de um romance aparentemente inocente, mas que nos faz fixar
os olhos sobre as contradições sociais que vivenciamos no dia a dia. E reforça
a consciência de que a sociedade deve assegurar igualdade de oportunidades a
todos, indistintamente, pois todos e, em
especial, as crianças, são merecedores
da mesma dignidade e respeito devotados aos príncipes, apenas e tão somente porque
são seres humanos.
Pense nisso!
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*Cláudio Silva é mestre em Educação, ex-
presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR,
foi Secretário de Educação de Apucarana-PR (gestões 2005-2008
e 2009-2012 ) e Secretário de Ensino Superior (
2012)
Esta publicação contou
a assessoria técnica da jornalista Cláudia Alenkire G. Silva (filha), e com a
participação da Especialista em Literatura e Língua Portuguesa Professora Ana
Britici Valério.
Referências:
MASINA, Léa. Guia de leitura: 100 autores que você precisa
ler. Porto Alegre: L&PM, 2010.
TWAIN, Mark. O príncipe e o mendigo. Porto Alegre: L&PM,
2012.
TOLSTÓI, Leon. Guerra e Paz. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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