O poder corrompe?
DOM ODILO P. SCHERER, cardeal-arcebispo de São Paulo
Jornal O ESTADO DE S. PAULO
Sábado, 11 de Agosto de 2012
Em Brasília, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar o caso do
chamado "mensalão", a respeito do qual o povo brasileiro vem ouvindo
falar há vários anos. Investigações feitas, o processo contra os
envolvidos chegou até a Suprema Corte, com uma acusação formal de
corrupção nos altos escalões do poder político nacional, formação de
quadrilha, desvio de recursos públicos, enriquecimento ilícito e evasão
de divisas... Em linguagem comum, isso equivaleria a vários tipos
sofisticados de roubo.
Cabe agora à Suprema Corte julgar e pronunciar o veredicto. A tarefa é imensa, os interesses em jogo são os mais diversos, as tensões são exasperadoras. Será que, desta vez, ao menos uma parte do Brasil vai ser passada a limpo?
Ficamos todos a esperar que, no final desse julgamento, a verdade se afirme, a justiça seja cumprida e as instituições democráticas dos três Poderes da República saiam preservadas e fortalecidas em sua credibilidade. Não leva bem ao convívio democrático, nem ao progresso social e econômico, a suspeita permanente de que os Poderes são corruptos e a justiça é apenas uma encenação, deixando prosperar impunemente a desonestidade.
O caso do mensalão, como não podia deixar de ser, expõe uma mazela moral, que também pode estar presente nos vários níveis de gestão do poder, quer no âmbito público, quer nos espaços das organizações sociais. A sabedoria popular diz que o poder corrompe. Se a afirmação peremptória merece reservas, ela não deixa de apontar para uma constatação frequente: o exercício do poder está fortemente exposto à tentação da desonestidade e da corrupção, ativa ou passiva.
Não é inevitável que o poder corrompa, mas é certo que nos organismos e nas instituições idôneos ele tem a finalidade intrínseca de promover o que é bom e de servir à causa boa. Seriam ilegítimas e criminosas as organizações que investissem de poder um chefe para promover o que é desonesto e mau. O poder é um serviço ao bem comum. Mas para que isso ocorra é necessário que as pessoas investidas de poder sejam honestas, vigilantes e de caráter firme, para não se deixarem corromper, nem promoverem a corrupção. E as instâncias de controle do poder precisam funcionar, não sendo subservientes nem coniventes. A maior e mais importante dessas instâncias de controle é a própria sociedade civil, nas suas mais variadas expressões e organizações.
Corrupção e desonestidade, porém, não rondam apenas os escalões mais elevados do poder: a tentação pode estar presente igualmente nos níveis mais próximos do cidadão comum. Quando a pessoa investida de poder é desonesta e corrupta, o cidadão se vê desprotegido, violentado e lesado nos seus direitos, ameaçado por quem o deveria proteger. Pode, então, vir a tentação de seguir pela mesma via, acreditando que a honestidade não compensa e que, de todo jeito, os prepotentes e desonestos levam sempre a melhor. O mau exemplo das autoridades é corrosivo e induz à corrupção.
Também na vida privada, no trato de pessoa a pessoa e nas relações sociais, não se está livre da tentação da desonestidade e da corrupção. Cada dia estamos a lamentar nas comunidades locais casos de trapaças, injustiças e roubos, nas formas mais diversas, até com violência e assassinatos. E se reage de modo mais ou menos resignado: o que se vai fazer?! E se compram armas, instalam-se alarmes e sistemas de vigilância, cercas eletrizadas, muros altos, bem sabendo que, no fim das contas, todo esse aparato pode ser inútil, pois o ladrão, quando quer, sabe como chega lá...
A corrupção, antes de ser um ato praticado, é um fato na pessoa, uma deterioração da consciência moral. Esta aponta, normalmente, para o bem e previne contra o mal, mas pode ser desatendida mediante escolhas livres e decisões do sujeito. Motivos frequentes são a ambição, a busca do poder e da vantagem a todo custo, cujo atrativo pode sobrepor-se aos ditames da verdade e do bem. Silenciada a consciência, também se enfraquece o caráter e aparecem os comportamentos corruptos, que podem ir muito além da gestão do bem público. A desonestidade pode tornar-se um vício, quase uma compulsão. Corrupção indica deterioração e, em português mais claro, podridão. A corrupção da consciência moral e do caráter é a causa das ações e dos comportamentos corruptos.
Contra a deterioração dos alimentos e de outros bens preciosos se tomam os devidos cuidados. Existe algum remédio contra a corrupção da consciência e a desonestidade? Leis mais duras e penas mais severas? Mais cadeias? Mais poder para a polícia? Estamos diante da questão realmente crucial: é necessário formar a consciência ética das pessoas por meio da educação em todos os níveis, do berço até o leito de morte! E essa educação não pode prescindir de valores referenciais para o comportamento; menos ainda, do bom exemplo dos cidadãos probos e dignos. Sem o ditame da lei moral, que soa como um absoluto inquestionável, fortemente gravado na consciência pessoal e coletiva, todas as leis escritas serão insuficientes e até ineficazes para resistir à tentação da desonestidade e da corrupção.
Se existe uma cultura da corrupção, tanto mais é preciso fomentar a cultura da honestidade e da retidão, na qual a malandragem e os desvios de caráter não sejam premiados, nem os malfeitores passem por "espertos" e heróis, tampouco seja passada a ideia de que a corrupção compensa. A lógica maquiavélica de que os fins justificam os meios precisa ser claramente desaprovada, não apenas no exercício da política, mas também nas relações sociais e na vida pessoal. E a "lei da vantagem", se vale na partida de futebol, não pode ser aplicada ao campo comportamental.
São raciocínios corruptores, cujos males podem ser facilmente percebidos.
Cabe agora à Suprema Corte julgar e pronunciar o veredicto. A tarefa é imensa, os interesses em jogo são os mais diversos, as tensões são exasperadoras. Será que, desta vez, ao menos uma parte do Brasil vai ser passada a limpo?
Ficamos todos a esperar que, no final desse julgamento, a verdade se afirme, a justiça seja cumprida e as instituições democráticas dos três Poderes da República saiam preservadas e fortalecidas em sua credibilidade. Não leva bem ao convívio democrático, nem ao progresso social e econômico, a suspeita permanente de que os Poderes são corruptos e a justiça é apenas uma encenação, deixando prosperar impunemente a desonestidade.
O caso do mensalão, como não podia deixar de ser, expõe uma mazela moral, que também pode estar presente nos vários níveis de gestão do poder, quer no âmbito público, quer nos espaços das organizações sociais. A sabedoria popular diz que o poder corrompe. Se a afirmação peremptória merece reservas, ela não deixa de apontar para uma constatação frequente: o exercício do poder está fortemente exposto à tentação da desonestidade e da corrupção, ativa ou passiva.
Não é inevitável que o poder corrompa, mas é certo que nos organismos e nas instituições idôneos ele tem a finalidade intrínseca de promover o que é bom e de servir à causa boa. Seriam ilegítimas e criminosas as organizações que investissem de poder um chefe para promover o que é desonesto e mau. O poder é um serviço ao bem comum. Mas para que isso ocorra é necessário que as pessoas investidas de poder sejam honestas, vigilantes e de caráter firme, para não se deixarem corromper, nem promoverem a corrupção. E as instâncias de controle do poder precisam funcionar, não sendo subservientes nem coniventes. A maior e mais importante dessas instâncias de controle é a própria sociedade civil, nas suas mais variadas expressões e organizações.
Corrupção e desonestidade, porém, não rondam apenas os escalões mais elevados do poder: a tentação pode estar presente igualmente nos níveis mais próximos do cidadão comum. Quando a pessoa investida de poder é desonesta e corrupta, o cidadão se vê desprotegido, violentado e lesado nos seus direitos, ameaçado por quem o deveria proteger. Pode, então, vir a tentação de seguir pela mesma via, acreditando que a honestidade não compensa e que, de todo jeito, os prepotentes e desonestos levam sempre a melhor. O mau exemplo das autoridades é corrosivo e induz à corrupção.
Também na vida privada, no trato de pessoa a pessoa e nas relações sociais, não se está livre da tentação da desonestidade e da corrupção. Cada dia estamos a lamentar nas comunidades locais casos de trapaças, injustiças e roubos, nas formas mais diversas, até com violência e assassinatos. E se reage de modo mais ou menos resignado: o que se vai fazer?! E se compram armas, instalam-se alarmes e sistemas de vigilância, cercas eletrizadas, muros altos, bem sabendo que, no fim das contas, todo esse aparato pode ser inútil, pois o ladrão, quando quer, sabe como chega lá...
A corrupção, antes de ser um ato praticado, é um fato na pessoa, uma deterioração da consciência moral. Esta aponta, normalmente, para o bem e previne contra o mal, mas pode ser desatendida mediante escolhas livres e decisões do sujeito. Motivos frequentes são a ambição, a busca do poder e da vantagem a todo custo, cujo atrativo pode sobrepor-se aos ditames da verdade e do bem. Silenciada a consciência, também se enfraquece o caráter e aparecem os comportamentos corruptos, que podem ir muito além da gestão do bem público. A desonestidade pode tornar-se um vício, quase uma compulsão. Corrupção indica deterioração e, em português mais claro, podridão. A corrupção da consciência moral e do caráter é a causa das ações e dos comportamentos corruptos.
Contra a deterioração dos alimentos e de outros bens preciosos se tomam os devidos cuidados. Existe algum remédio contra a corrupção da consciência e a desonestidade? Leis mais duras e penas mais severas? Mais cadeias? Mais poder para a polícia? Estamos diante da questão realmente crucial: é necessário formar a consciência ética das pessoas por meio da educação em todos os níveis, do berço até o leito de morte! E essa educação não pode prescindir de valores referenciais para o comportamento; menos ainda, do bom exemplo dos cidadãos probos e dignos. Sem o ditame da lei moral, que soa como um absoluto inquestionável, fortemente gravado na consciência pessoal e coletiva, todas as leis escritas serão insuficientes e até ineficazes para resistir à tentação da desonestidade e da corrupção.
Se existe uma cultura da corrupção, tanto mais é preciso fomentar a cultura da honestidade e da retidão, na qual a malandragem e os desvios de caráter não sejam premiados, nem os malfeitores passem por "espertos" e heróis, tampouco seja passada a ideia de que a corrupção compensa. A lógica maquiavélica de que os fins justificam os meios precisa ser claramente desaprovada, não apenas no exercício da política, mas também nas relações sociais e na vida pessoal. E a "lei da vantagem", se vale na partida de futebol, não pode ser aplicada ao campo comportamental.
São raciocínios corruptores, cujos males podem ser facilmente percebidos.
Fonte: http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,o-poder--corrompe-,914904.htm
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2 comentários:
Excelente texto! Estamos bem de cardeal e arcebispo !
Realmente, D. Odilo é uma referência fundamental que merece ser ouvido. Principalmente num momento de grave crise ética em que as pessoas precisam de referências seguras.
Um abraço Dr Ademilson
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