domingo, 18 de novembro de 2012

A pandemia da corrupção ( artigo de CHRISTIAN CARYL )


A fraude e a apropriação de fundos públicos tornaram-se um mal sistêmico e isso afeta negativamente a governança pelo mundo afora e prejudica o funcionamento dos Estados de maneira drástica


CHRISTIAN CARYL, FOREIGN POLICY, É JORNALISTA - O Estado de S.Paulo
Laurence Cockcroft preocupa-se com o aquecimento global. Como muitos de nós, ele se aflige com a elevação da temperatura no planeta. Mas ele também está a par de outra ameaça: o elo entre mudança climática e corrupção.
O que um problema tem a ver com o outro? Como veremos, muita coisa. Diversas das ações que resultam em destruição ambiental, diz Cockcroft, configuram infrações às leis dos lugares onde são praticadas. Em países como o Brasil, a Indonésia ou o Congo, por exemplo, madeireiras clandestinas com frequência recorrem à corrupção para se esquivar da lei.
Os valores envolvidos, adverte Cockcroft, podem ser mais elevados do que todos os recursos aplicados em programas de assistência ao desenvolvimento. Isso faz de tais fundos um alvo tentador para práticas corruptas - ainda mais quando se considera que, no passado, muito do dinheiro aplicado em projetos de desenvolvimento foi parar em bolsos errados. "Se esses fundos começarem a sofrer desvios semelhantes aos que corroeram montantes tão expressivos dos programas de fomento", diz ele, "a corrupção pode se tornar um grande obstáculo à tentativa de restringir a elevação da temperatura em menos de 2º C antes de 2050".
A corrupção tornou-se um mal sistêmico e isso afeta negativamente a governança pelo mundo afora, podendo vir a prejudicar o funcionamento dos Estados de maneira drástica, se não for combatida.
Economista especializado em desenvolvimento, com décadas de experiência na Nigéria, Cockcroft foi um dos fundadores da Transparência Internacional, uma ONG global que oferece soluções para conter a maré de corrupção. Embora a instituição tenha celebrado seu 20.º aniversário recentemente, Cockcroft diz que não foi esse o motivo de ele ter resolvido publicar seu novo livro, Global Corruption, em que o leitor encontra um guia sobre os maiores problemas e as soluções possíveis para essa mazela. A verdadeira razão, diz ele, é que os desafios impostos pela corrupção são mais urgentes que nunca.
As manchetes desta semana sugerem que ele está certo. O presidente chinês, Hu Jintao, ao falar à decisiva conferência do Partido Comunista atualmente em curso em Pequim, disse aos delegados que a corrupção pode ser "fatal" ao regime comunista se o partido não conseguir controlar o problema.
Não chega a ser um anúncio surpreendente, tendo em vista o escândalo de grandes proporções que fez Bo Xilai, um integrante do alto escalão comunista, cair em desgraça alguns meses atrás. Sua queda jogou um pouco de luz sobre os aparentemente rotineiros abusos de poder e influência no interior do PC chinês. Por algum motivo, Hu não fez menção a outras revelações recentes sobre o espantoso patrimônio acumulado por pessoas do círculo íntimo de alguns dos políticos mais poderosos do país, como o primeiro-ministro Wen Jiabao e o futuro líder do partido Xi Jinping. Os censores mantiveram essas notícias inconvenientes longe dos olhos curiosos dos cidadãos chineses.
Ao mesmo tempo, na Rússia, o presidente Vladimir Putin acaba de demitir o seu ministro da Defesa, Anatoli Serdyukov, sob a alegação de que o infame funcionário teria usado da influência do cargo para enriquecer com a comercialização de armamentos russos. Parece que Serdyukov foi pego na cama com a amante, num apartamento recheado de objetos de luxo adquiridos de maneira ilegal, quando a polícia realizava uma batida no lugar. A moça saiu algemada de casa.
Também nesse caso a versão que o governo apresenta de suas atividades tem uma seletividade característica. As reformas que Serdyukov estava implementando nas Forças Armadas lhe granjearam muitos inimigos entre os militares, que podem ter usado seus gastos exagerados como desculpa para se livrar dele. E é verdade que, diante de atos igualmente ostensivos de corrupção por parte de outros funcionários governamentais - sem falar em figuras importantes da Igreja Ortodoxa do país - o Kremlin esboçou pouca ou nenhuma reação. O fato é que, nos últimos tempos, o governo russo parece gastar a maior parte de seu tempo reprimindo ativistas anticorrupção, como Alexei Navalni, cujas críticas à corrupção exasperam as autoridades.
Escândalos de corrupção gigantescos não são privilégio de regimes autoritários. Diante dos olhos incrédulos dos brasileiros, diversas autoridades do governo do ainda popular ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão sendo julgadas e condenadas por seu envolvimento num vasto esquema de compra de votos de parlamentares, conhecido como mensalão. Na Indonésia, a Comissão Anticorrupção trava uma batalha épica com a polícia do país, uma instituição notoriamente podre. E, na Índia, alguns ativistas estão organizando mais uma campanha nacional contra as práticas desonestas que infectam todos os escalões governamentais.
Por falar nisso, mesmo nos EUA, a fusão indelével do dinheiro com a política atingiu proporções alarmantes, como se pode observar pela importância dos lobbies e pelo papel nefasto desempenhado pelos esquemas de levantamento de recursos nas campanhas eleitorais. Não sei se serve de consolo aos americanos o fato de algumas das práticas mais perniciosas não poderem ser tecnicamente caracterizadas como corrupção, pois são permitidas em lei.
Cockcroft observa que algumas das vitórias mais decisivas na luta contra a corrupção ocorreram em locais pequenos, como Cingapura e Hong Kong, onde líderes esclarecidos, mas não democráticos, foram capazes de criar sólidas instituições de controle, além de incutir um verdadeiro espírito anticorrupção na população. A questão é que nada garante que essas lições possam ser transplantadas para países grandes e conturbados, como a Rússia e a Indonésia.
De qualquer forma, Cockcroft extrai alguma esperança da crescente sensibilização mundial para a dimensão do problema. Durante a Guerra Fria, não havia muita disposição para enfrentar a corrupção como um flagelo que atingia o mundo inteiro, já que os países comunistas proibiam sua discussão e os governos ocidentais temiam que pisar nos calos de seus aliados autoritários lhes traria mais dores de cabeça do que benefícios, fragilizando-os diante do inimigo soviético. Acontece que, com expansão frenética da economia mundial ocorrida ao longo das últimas duas décadas, a corrupção se tornou grande demais para ser ignorada - e agora está mais difícil rastreá-la.
Cockcroft elogia o Grupo de Trabalho Anticorrupção do G-20 - "a melhor iniciativa em andamento", segundo ele - pela tentativa de estabelecer critérios de alcance mundial para enfrentar questões intrincadas, como a das jurisdições de sigilo. Em última análise, diz ele, o melhor que as campanhas anticorrupção têm a fazer é se concentrar em algumas áreas primordiais. Em primeiro lugar, os governos e as agências de estímulo ao desenvolvimento precisam se dar conta de que, em muitos países, o tamanho da economia informal é um dos principais fatores que impulsionam a corrupção. Oferecer incentivos que encorajem os pequenos empresários desse setor informal a legalizar suas operações pode ajudar.
Em segundo lugar, como demonstram os exemplos dos Estados Unidos e da Índia, a distorção das regras de financiamento político pode ter efeitos profundamente deletérios, já que os partidos tendem a recompensar seus doadores por meio da aprovação de leis que os favorecem indevidamente ou da realização de licitações públicas com cartas marcadas - e custos ocultos para a sociedade. Também é vital, acrescenta Cockcroft, reconhecer a escala dos vínculos que os políticos de muitas partes do mundo têm com o crime organizado.
Além disso, a comunidade internacional precisa pressionar pela adoção regras globais robustas a que corporações multinacionais estejam submetidas. Cockcroft enaltece a Convenção Antissuborno da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas registra que o recente escândalo envolvendo o Walmart no México - onde a companhia americana teria subornado dezenas de funcionários governamentais a fim de obter mais rapidamente sua autorização para abrir novos estabelecimentos - indica que o desafio ainda é enorme.
O remédio mais confiável, porém, talvez seja a publicidade. Atualmente, são muitos os países em que os jornalistas têm mais liberdade de ação para expor improbidades governamentais. A mídia social oferece novos veículos para escorraçar as autoridades que aceitam subornos.
Acima de tudo, é importante lembrar que soluções existem, e podem funcionar quando os cidadãos e os responsáveis pela tomada de decisões conseguem reunir vontade política. Considerar a corrupção como um elemento inerente a determinadas culturas é não apenas uma atitude desnecessariamente desmoralizante, como denota preguiça intelectual. "As culturas não são imutáveis no tempo", destaca Cockcroft. "Elas são sempre dinâmicas". Além disso, diz ele: "Em todos os países onde a corrupção é endêmica, você sempre encontra quem se disponha a combatê-la". E ele está certo também nesse ponto. Talvez esteja na hora de descobrirmos uma maneira de oferecer a nossa contribuição. 
/ TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER


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