domingo, 9 de dezembro de 2012

Rico banco de dados sobre educação ainda é pouco divulgado e utilizado ( O GLOBO)


Para especialistas, essas informações são mais relevante para melhorar a educação do que os rankings

O Globo

LEONARDO CAZES
09.12.12


RIO - O Brasil possui um enorme banco de dados sobre alunos, professores e as escolas da rede pública, mas essas informações são pouco estudadas e utilizadas na produção de diagnósticos e na formulação de políticas públicas. Os microdados, como são chamados, são os resultados dos questionários aplicados em avaliações de larga escala, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a Prova Brasil, usada no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Para especialistas, a divulgação organizada dessas informações é muito mais relevante para melhorar a educação no país do que a publicação de um ranking de escolas, como feito pelo Ministério da Educação (MEC) este ano com o Enem, pois é possível entender, em detalhes, as razões para um bom e um mau resultado.

Segundo Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a divulgação de rankings estimula uma competição equivocada entre as escolas, principalmente na rede privada. Há casos, inclusive, de colégios que selecionam e separam os melhores alunos para conseguir resultados elevados e transformá-los em estratégia de marketing.

Rankings não ajudam o debate público
O diretor-executivo da Fundação Lemmann, Denis Mizne, concorda e aponta o ranking como um desserviço ao debate sobre a qualidade da educação brasileira, embora não seja contra a divulgação do resultado por escola.

— Não sou contra a divulgação do resultado por escola, mas ele não colabora com o debate público. A divulgação de colégios em forma de ranking, pela média, sem levar em consideração a sua composição, no que ela foi bem e no que ela foi mal, leva a maus usos dos dados, que são contraproducentes. Para melhorar a educação, o ranking não adianta nada. A diferença de pontos entre os primeiros colocados é pequena, mas é uma diferença enorme para os donos dos colégios — questiona o diretor-executivo da Fundação Lemmann.

Os microdados são capazes de oferecer um raio-x muito mais claro da qualidade do ensino e do impacto que diversos fatores (como a composição da escola, o perfil dos professores e o ambiente escolar) têm no aprendizado. Os questionários aplicados na última edição da Prova Brasil, em 2011, foram respondidos por cerca de 220 mil docentes e 4 milhões de estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental, em todo o país, além de mais de 50 mil diretores. A participação é voluntária.

Os resultados revelam a condição socioeconômica dos membros da comunidade escolar, se o currículo foi cumprido, a qualificação dos profissionais, a participação dos pais. Junto com outros levantamentos feitos pelo Inep, como o Censo Escolar, é possível descobrir quantas unidades possuem quadra poliesportiva, bibliotecas e salas de informática. Contudo, estas informações são disponibilizadas em formatos pouco amigáveis, incompreensíveis a quem não possui conhecimentos de estatística. Assim, secretarias municipais que não possuam uma equipe técnica qualificada encontram muitas dificuldades para extrair conclusões importantes sobre seu desempenho nas avaliações nacionais e sobre como podem melhorar. Esse serviço, na visão de Daniel Cara, devia ser disponibilizado pelo próprio Inep.

— O retorno dessas avaliações, que poderia ser feito de forma pública pelo Inep, é realizado por meio de empresas que cobram as redes por esses serviços. O Inep poderia ter sua função muito mais bem aproveitada. Da forma como são divulgados os dados, a educação tem uma avaliação que segue a lógica do semáforo: a situação está no vermelho, amarelo ou verde — diz o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. — O cruzamento de dados oferece ferramentas boas. Como o instituto é muito focado no trabalho de produção do Enem, ele acaba não oferecendo um serviço que revolucionaria o planejamento. Ele poderia formar os quadros para as secretarias municipais e estaduais de educação e oferecer um serviço, em regime de colaboração. É preciso também ter um sistema nacional de avaliação da educação básica sabendo o que pode ser apreendido a partir de cada prova.

Falta de pesquisadores na área
Para Ruben Klein, presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), a cultura das avaliações em larga escala é recente no Brasil, pois teve início apenas em 1995. Até então, apenas algumas redes estaduais mantinham experiências isoladas. Por isso, a produção acadêmica sobre o assunto ainda é insuficiente no país. Ele sugere que as prefeituras menores procurem parcerias com universidades e centros de pesquisa para conseguir trabalhar com essas informações. Segundo Klein, as avaliações mostraram que muitos diagnósticos sobre a situação da educação no Brasil estavam errados.

— A avaliação começou para valer em termos nacionais em 1995. Até aí, havia muitos diagnósticos errados. Falava-se em evasão, mas, na verdade, nosso maior problema era a repetência. Acreditava-se que a solução era construir escola, quando na realidade os alunos não estavam aprendendo. O problema é a qualidade da escola. Essa é uma área recente no Brasil, não tinha ninguém trabalhando com isso. A partir da década de 1990 é que começaram a surgir alguns grupos — aponta o presidente da Abave, que tenta estimular o desenvolvimento de trabalhos no campo.

Cara aponta ainda a falta de independência do órgão, em comparação com outros institutos da administração federal, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ligado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos. A apresentação das pesquisas realizadas pelos dois é feita pelos próprios técnicos responsáveis, enquanto no caso do Inep esse papel é assumido pelo ministro da Educação. Na sua opinião, é fundamental que a equipe do instituto tenha autonomia para analisar com frieza os números para produzir diagnósticos consistentes.

Inep afirma que “está se reestruturando”
Em janeiro deste ano, entre a saída da então presidente Malvina Tuttman e a chegada do atual, Luiz Cláudio Costa, a Associação dos Servidores do Inep (Assinep) chegou a publicar uma carta aberta dirigida ao MEC em que lamentavam as constantes mudanças de comando (foram quatro desde 2009 devido a problemas na realização do Enem).

Os funcionários alegavam que “o órgão apresenta fragilidades e ainda não sustenta condições favoráveis para o pleno desenvolvimento de estudos, pesquisas e avaliações de acordo com suas finalidades institucionais. Ademais, os salários pouco atrativos e as carreiras muito longas não representam um estímulo para a permanência de servidores. A perda de quadros impõe-se como uma difícil realidade e compõe o rol dos grandes desafios ao cumprimento das finalidades do órgão”.

Procurado pelo GLOBO, o Inep informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o tempo entre a coleta dos microdados da Prova Brasil 2011 e a sua disponibilização na internet diminuiu em um ano, em comparação com a edição de 2009. O órgão ressaltou que é preciso um grande esforço operacional para processar as informações.

Está em andamento também um trabalho para tornar a visualização dos microdados mais dinâmica e amigável aos usuários, segundo o Inep. O instituto ressaltou que “está se reestruturando para ampliar cada vez mais o seu papel como uma autarquia que pensa, reflete e formula estudos e políticas para a educação brasileira. Além disso, o Inep é hoje uma autarquia capaz de pensar o processo da educação brasileira, de realizar e aplicar avaliações importantes para o país”.




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