*Por
Cláudio Silva
Lembra daquele refrão “Êh, ô, ô vida de gado, povo marcado, povo
feliz”, cantado por Zé Ramalho em “Admirável gado novo”, falando aos “que
fazem parte dessa massa”?
Tente descrever rapidamente três
características que você considera num indivíduo autônomo na sua forma de pensar e de agir. Agora faça o mesmo em
relação a outro que considera um adestrado. E você? Quer que seus filhos
sejam no futuro, adultos autônomos ou adestrados? Segundo o educador Paulo Freire,
parte da resposta vai depender de como você e a escola conduzem o seu processo
educacional. A provocação de Freire, obviamente, não tem um caráter
determinista ou visão maniqueísta. Mas é possível depreender de suas
considerações que, dependendo de como for conduzida a educação familiar ou escolar,
poderemos estar contribuindo para a formação de indivíduos com uma dessas duas
características. O mesmo princípio pode ser aplicado também aos grupamentos
humanos, desde colaboradores de uma empresa, equipes esportivas ao conjunto de uma população. O papel daqueles que estão à frente
conduzindo o processo, sejam eles pais, educadores, chefias e outras funções de
liderança ou gestão, é preponderante, para não dizer determinante.
O filme “Forrest Gamp” tem como personagem
central um sujeito, interpretado por Tom
Hanks, que resolve correr sem destino. Alguém por impulso o imita, e aos
poucos, outros curiosos vão se somando. E quando se vê, uma pequena multidão
está atravessando os Estados Unidos correndo, a maioria sem nem mesmo saber por
quê. Simplesmente seguindo o instinto de bando. O psicólogo e pedagogo Jean
Piaget, uma das referências na educação moderna, denomina de socionomia uma das etapas do
desenvolvimento da consciência moral. Nesta, a nomos (norma, lei) é aquilo que for determinado pelo grupo, pelos
outros ou pelo contexto social. É o caso do sujeito que sempre age no sentido de se amoldar à
maioria, para não destoar e evitar ser considerado diferente. Porque o seu
princípio é buscar a aprovação ou evitar a censura dos outros, numa preocupação
permanente e por vezes excessiva com que vão pensar dele. É o
estágio anterior à autonomia (do grego: autós=próprio
e nomos=lei - lei própria), que
Piaget considera o nível ideal do desenvolvimento
humano, a etapa mais elevada do comportamento moral. Na autonomia o
sujeito consegue orientar-se de
acordo com valores elevados, como
a ética e a fé por exemplo, e dirigir-se por seus
próprios princípios internos de conduta. Assim, desenvolve uma percepção pessoal, conseguindo olhar para o
outro lado, quando a
maioria está fixada num único ponto, e perceber aspectos que passam despercebidos para a maioria.
Nelson Rodrigues criticando a postura
padronizada e às vezes comodista, observada na socionomia, alertava com a
famosa expressão “toda unanimidade é burra”. Ou no mínimo perigosa,
completamos. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar, submete-se a que
pensem por ele, daí o perigo. Porque por vezes certos posicionamentos coletivos
podem ser consequência de manipulação, resultando numa consciência coletiva
adestrada, de pessoas condicionadas a pensar e decidir irrefletidamente.
Posicionar-se com a maioria é mais confortável,
porque não compromete. Em certas situações pode ser uma atitude de fuga de responsabilidades, pois serve como
uma proteção cômoda para
justificar meus atos, mesmo
que errados. É o fazer sem senso crítico, simplesmente porque todos
estão fazendo. Talvez o caso mais emblemático tenha sido o julgamento mais
famoso da história, que teve de um lado
um bandido e assassino, e de outro um homem inocente. Ao público presente
caberia o veredito, como permitia o costume naquela circunstância. Respeitando as confessionalidades, servimo-nos do texto sagrado para iluminar a reflexão. O juiz
indaga: “quem vocês querem que eu solte, Jesus ou Barrabás?” A resposta é conhecida por todos. Mas a expressão "Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os
nossos filhos” (Mt 27,25), expressa o
fenômeno de gado, porque no inconsciente coletivo já estava cristalizada
a decisão cega, induzida pelos chefes dos sacerdotes ( Mt, 27,20). Em
outras palavras, não nos importa se é
inocente ou não, já decidimos, queremos
o seu sangue.
Ir irrefletidamente
com a maioria, pode também não ser
atitude inteligente. Veja
quantas pessoas leem determinado livro ou compram produtos apenas porque estão nas listas dos
mais vendidos. Mas será que a
qualidade corresponde? Quanta literatura
“água com açúcar” é despejada goela
abaixo, induzida por um marketing agressivo! Caetano Veloso é um artista que a mim sempre pareceu estar à
frente do seu
tempo. Protagonizou um fato inusitado,
quando num trabalho de pesquisa encontrou uma canção que decidiu regravar. Uma música que no passado havia
sido malhada pela
crítica como algo sem valor, execrada
pela maioria dita culta. Mas ele, exercendo princípios de autonomia, consegue
enxergar qualidades estéticas que o compositor havia empregado, que revelavam
uma sensibilidade apurada para descrever
o sentimento de
alguém privado do convívio com a pessoa
amada. E quando, com o seu
talento admirável a interpreta,
utilizando simplesmente voz
e violão, revela uma verdadeira pérola.
Quer conferir? Ouça Caetano
interpretando “Você não me
ensinou a te esquecer”, de
Fernando Mendes, lançada originalmente
em 1978, e que recentemente foi
tema do
filme “Lisbela e o
Prisioneiro”.
Um outro alerta pode ser encontrado
na primeira cena do filme “Tempos
Modernos”. Charles Chaplin com
a sua genialidade, e sem inserir
uma única palavra, em duas sequências de poucos segundos, chama a atenção para
o perigo do desenvolvimento de comportamentos
de gado na sociedade industrial emergente, caracterizada pela padronização e ações em série. A
primeira cena mostra um bando
de ovelhas correndo umas
atrás das outras. Ato
contínuo, quase que repete a
mesma cena, só que com pessoas andando apressadas na cidade
movimentada, gado humano.
Émile Durkheim (1912), considerado um dos
pais da sociologia moderna, estudou os processos
interpessoais que produzem o que
ele definiu como consciência coletiva.
Esta, descobriu, nasce das interações
entre as pessoas. Portanto, é preciso sempre se questionar,
e orientar os nossos filhos e educandos,
se em determinadas situações estamos agindo como indivíduos conscientes e autônomos,
ou simplesmente como gado adestrado, que
segue a
manada. O que pode ser perigoso, pois os resultados poderão ser desastrosos
no médio e longo prazos. O alerta de
Paulo Freire é muito atual!
"Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando!" ( Walt Lippman )
"Quando todos pensam igual, é porque ninguém está pensando!" ( Walt Lippman )
Pense nisso!
(Se achou
esta crônica interessante, poste o seu comentário abaixo ou envie por email. Sua referência é importante para nós.
As mais acessadas irão integrar o
próximo livro. No box de postagem
a opção mais utilizada tem sido o
Google. Grato. OS EDITORES)
*Cláudio Silva é mestre em Educação, Secretário
Especial de Ensino Superior de Apucarana (Pr) e ex- presidente da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR.
Ficha
Técnica:
Estrutura: Cláudia Alenkire Gonçalves da
Silva (acadêmica de jornalismo)
Revisão: Prof.ª Doutoranda Leila Cleuri
Pryjma
CAMPEÃ DE ACESSOS: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/2012/09/as-raposas-e-o-galinheiro-refletindo.html
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8 comentários:
De: Débora Rodrigues Pinto da Silva
Professor Cláudio:
Muito pertinente o assunto atual do seu blog. Sempre o acompanho, mas veio a calhar na escrita do meu (outro...) TCC de Especialização em Docência que faço em Porto alegre. Queria falar exatamente sobre isto, estava hoje mesmo escrevendo, vou citá-lo.
O-BRI-GA-DA!
Um abraço,
Débora.
(do MBA Auditores e Peritos Ambientais-TEAR)
Oi Débora, fico gratificado ao saber que nossas reflexões estão contribuindo com os amigos. Desejo todo o sucesso à você. Um abraço e lembranças aos nossos amigos da pós
cumprimentos
Adorei esse artigo, por falar do Caetano, do Charles Chaplin.
Que precisaram deixar seus países para serem reconhecidos por suas artes.Não é fácil ser autônomo.
E mais,por falar de Jesus e suas perseguições...que provam como é difícil ser autônomo.
Fiquei mais feliz por ver a ficha técnica.
Parabéns!!
Deixo minha pequena expressão aqui!
Abraços!
Oi Thay,
Grato pela honra de sua visita. Autonomia, o grande desafio. Nascemos para o alto! Somos seres únicos.
Um grande abraço
Nossos agradecimentos pela referência.
Abç
Olá prof. Cláudio, gostei muito da sua crônica, interessante e nos faz pensar nos dias de hoje e como podemos agir de forma diferente, buscar o novo e nos adaptar a novos desafios. Parabéns!
Oi Valdirene. Realmente essa é a proposta, ações mais conscientes. Muito obrigado pela sua apreciação, o que muito nos honra.
Um grande abraço
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