Os livros, filmes, peças e quadros de Lúcio
Cardoso ficam em evidência no ano de seu centenário, que relembra a
personalidade complexa e libertária do artista
Publicado em 13/10/2012 | Yuri Al’Hanati, com Agência O Globo
No
ano em que se comemora o centenário de nascimento do mineiro Lúcio
Cardoso (1913-1968), dois livros de vital importância para o
entendimento da obra do escritor, jornalista, poeta, dramaturgo,
cineasta e pintor serão colocados nas prateleiras pela editora
Civilização Brasileira em novembro. O primeiro, a coletânea Contos da
Ilha e do Continente, é inédito e fruto de uma extensa pesquisa por mais
de 30 anos de publicações em jornais e revistas em busca de uma faceta
pouco lida.
O segundo, as memórias do autor reunidas sob o título
Diários, tem seu valor intrínseco por ser a investigação intimista de
sua alma, característica principal de quase toda a sua obra. “Em todas
as frentes em que atuou, Lúcio procurou representar essa angústia,
própria de uma experiência moderna, um ‘desassossego’, como diria
[Fernando] Pessoa”, ressalta a professora Patrícia da Silva Cardoso (sem
parentesco com o escritor), doutora em teoria literária pela
Universidade Federal do Paraná.
Os
dois livros, junto com a recente reedição de Crônica da Casa
Assassinada (1959), seu romance mais famoso, fazem parte de um movimento
de recolocação da obra de Lúcio Cardoso de volta às prateleiras,
visando um público mais amplo. Natural de Curvelo, mas carioca por opção
e vocação, o escritor era um personagem carismático, benquisto tanto no
círculo de intelectuais do qual fez parte na década de 1930, junto com
Clarice Lispector (1920-1977), Jaguar, Vinicius de Moraes (1913-1980) e
Cornélio Penna (1896-1958) quanto nas rodas boêmias da Lapa e nas
favelas – um de seus primeiros romances, Salgueiro (1935), foi
praticamente escrito no morro. “Ele era muito bonito, grisalho, lábios
grossos, voz grossa. Encantador”, comenta o cineasta Luiz Carlos
Lacerda, o Bigode, que conheceu o artista numa noitada em Ipanema, e, a
partir dali, tiveram uma convivência íntima.
Em busca de vestígios
Longa-metragem A Mulher de Longe, do cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda, resgata um filme inconcluído, escrito e dirigido por Lúcio Cardoso em 1949Leia a matéria completa
Um ilustre desconhecido?
Entretanto, ainda que o escritor não seja o último dos injustiçados e
tenha caído em um completo ostracismo, é bem verdade também que, fora
em um pequeno universo de interessados e acadêmicos, os livros de Lúcio
Cardoso perderam-se nas prateleiras do tempo — e dividir seu centenário
com Jorge Amado e Nelson Rodrigues não ajudou muito. Patrícia acredita
que isso se deva a uma polarização gradual da literatura brasileira, que
teve seu ápice na década de 30. “De um lado, havia os que desejavam
fazer um documento da realidade brasileira, como Jorge Amado e
Graciliano Ramos. Do outro, estariam esses escritores mais intimistas,
preocupados em representar as questões de um indivíduo não inscrito em
um meio social.” Essas duas vertentes, porém, ganharam associações
ideológicas automáticas e receberam tratamentos opostos pelo público.
“Enquanto esse retrato das mazelas brasileiras teve um apelo mais
rápido, a escrita intimista ganhou uma pecha de alienada, foi associada
ao pensamento de direita e não foi tão prestigiada”, explica Patrícia.
De fato, os universos retratados importavam muito pouco a Cardoso, que
dizia que a política esmagava a literatura.
Mas a professora ressalta que o estilo do texto do escritor também
pode ter contribuído para afastar o leitor não especializado. “Ele tinha
um vocabulário mais elaborado, e uma escrita mais pesada em certo
sentido. Quando a gente passa por cima disso tudo, porém, e chega ao
texto que ele escreveu, fica difícil chegar perto dessa ótica
historiográfica, de que o intimismo implica em alienação.” A
dificuldade, segundo Patrícia, nasce por uma visível ponderação típica
do período moderno. “Como elemento estruturante dessa obra, há uma
promoção de um conjunto de valores do passado que vai sendo colocado em
choque com um outro conjunto de experiências modernas. A grande
discussão de Crônica da Casa Assassinada é essa. Que futuro têm as
tradições na modernidade?”.
É claro, a generalização deixaria de fora a perenidade do poeta
Vinicius de Morais e o fenômeno Clarice Lispector, que apesar de sua
temática complexa, ganha cada vez mais leitores nos dias de hoje.
Clarice foi amiga íntima de Lúcio Cardoso, e o via como mentor
intelectual e objeto de admiração — sua paixão só não foi correspondida
porque o escritor era homossexual. Seguiram linhas similares na
literatura, mas caminhos opostos no reconhecimento. “A explicação para
isso está no campo do mistério. Mas não há como falar de sucesso
editorial sem falar das circunstâncias mercadológicas, e a colocação que
o autor faz de si próprio como persona pública”, acredita a professora,
sem, contudo, ignorar sua morte precoce, aos 56 anos, e sua retirada de
cena seis anos antes por conta de um AVC que o deixou hemiplégico do
lado direito e o afastou de vez da literatura. “É uma espécie de
pré-morte, que o impossibilitou de se fazer mais presente como uma
figura que atraia o leitor ao texto, que faça o leitor buscar em seus
livros a persona com quem se identifica.”
Legado
Prosa, poesia, cinema, teatro, artes plásticas. Um artista que se
dedique com a mesma intensidade a tantas áreas jamais poderia fazê-lo
por diletantismo. Antes de tudo, uma necessidade quase vital de se
expressar fez com que Lúcio Cardoso deixasse uma vasta obra. É o que diz
o escritor Rafael Cardoso, seu sobrinho. “Lúcio já exercia seu dom para
desenho e pintura antes do AVC. Após 1962, esse passou a ser seu canal
de expressão. Entender essa obra passa pela compreensão do esforço de
superação que ela representa. Quando vejo seus quadros, vejo uma
afirmação de que nada pode calar o artista verdadeiro, nem a doença, nem
mesmo a morte”, afirma.
Os questionamentos de uma alma atormentada e libertária ressurgem com
a mesma pertinência de décadas atrás, envolvendo temas como
sexualidade, religião, tradição, mistério feminino e morte. Algo que os
fãs de Clarice Lispector podem encontrar também em sua obra, enquanto as
academias reforçam seu lugar de importância na literatura brasileira.
“Ele sempre foi um autor respeitado pelos estudiosos. Pode não ter a
mesma inserção que Clarice, e pode não ter frases suas compartilhadas no
Facebook, mas, por outro lado, uma figura como o Jorge Amado, apesar do
sucesso de público e crítica em sua época, não ocupa hoje, dentro do
meio acadêmico, o mesmo lugar de respeitabilidade que o Lúcio”, compara
Patrícia.
CAMPEÃ DE ACESSOS: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
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