Preocupação tardia do governo e ineficiência dos municípios tornam lento o ingresso da primeira infância nas salas de aula
Publicado em 03/10/2012 | Jônatas Dias LimaWalter Alves/Gazeta do Povo
Educação infantil
Somente
30,8% das crianças brasileiras de zero a 4 anos frequentam creches ou
pré-escola. Em Curitiba, o número de meninos e meninas nessa faixa
etária é de cerca de 222 mil, mas 65,3% deles estão fora da sala de
aula. Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), publicada em setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
O
atraso na área fica evidente quando o Brasil é comparado com nações
desenvolvidas. Entre os países membros da Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua maioria europeus, a
porcentagem de crianças com 4 anos na pré-escola é de 81%. Considerando
apenas essa idade, o índice brasileiro não passa de 55%, segundo a
própria OCDE.
Filho em casa exige rotina organizada -
Silvia Francieli de Assis Martins, 30 anos, optou por não matricular o
filho Artur, de 1 ano e 4 meses (foto), em uma escola de educação
infantil. Ela e o marido fizeram uma programação financeira que lhe
permitisse não trabalhar fora durante os primeiros anos de vida do
menino. Silvia presta consultoria na área de segurança do trabalho, e
exerce suas atividades profissionais de dentro da própria casa. “Ele é
pequeno demais para deixá-lo numa creche, onde talvez não lhe deem a
devida atenção, e onde as salas, muitas vezes, ficam lotadas”, justifica
Silvia. Sobre os estímulos pedagógicos necessários, ela afirma
organizar a rotina de Artur com brincadeiras, passeios diários ao ar
livre, pintura e natação, duas vezes por semana
Uma nova atitude após a escolinha
A professora Raquel Terezinha Zanon Belniaki, 36 anos, só tem elogios para a creche em que a filha Valentina, de 3 anos (foto), está matriculada. Residente em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, Valentina frequenta desde os 2 anos de idade o Centro Municipal de Educação Infantil Jardim do Conhecimento. Segundo Raquel, desde o ingresso da filha na creche, os avanços no comportamento da menina são facilmente percebidos. “Ela conta histórias com começo, meio e fim, a memória melhorou e nossas conversas ficaram mais ricas em conteúdo”, conta. Valentina fica meio período na creche todos os dias, enquanto Raquel trabalha numa escola municipal da cidade.
Nas últimas décadas, pesquisas dedicadas à primeira infância
constataram que é nessa fase da vida que o ser humano tem o maior
potencial de aprendizagem. As consequências do desenvolvimento infantil
são percebidas até a idade adulta. Crianças que não recebem os estímulos
necessários para a compreensão de linguagens, desenvolvimento motor e
sociabilidade, entre outras habilidades, acabam tendo dificuldades em
acompanhar os colegas quando chegam ao ensino fundamental.
Embora especialistas reconheçam que é possível oferecer os estímulos
necessários a crianças de até 3 anos em casa, o ambiente ideal para um
desenvolvimento saudável exige uma série de fatores não muito comuns à
maioria dos lares, como um adulto devidamente instruído para oferecer
experiências construtivas, espaço amplo, atividades ao ar livre, contato
com outras crianças e grupos sociais livres de violência.
A preocupação tardia do país com a instrução na primeira infância é
uma das causas para a dificuldade do poder público em suprir a demanda
na área. Segundo a professora do curso de Pedagogia da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Neide Capeletti, até a década de 80 a
educação infantil era vista como uma atividade vinculada à assistência
social e não propriamente à educação. “A maioria das creches era mantida
por instituições de caridade e as poucas escolas infantis privadas eram
voltadas às famílias mais ricas”, diz.
Ela explica que somente após a Constituição de 1988 é que se passou a
entender a educação infantil como responsabilidade do Estado. Ainda
assim, as redes de creches municipais só se popularizaram depois da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996.
Para o pesquisador Francisco Veloso, do Instituto Brasileiro de
Economia, vinculado à Fundação Getulio Vargas, a lenta evolução do
atendimento público no setor se deve também à ineficiência do poder
municipal. “Muitos municípios não têm a menor condição financeira ou de
gestão para administrar a educação infantil, por isso muitas creches são
feitas via convênios com empresas”, diz.
Universalização
Para o país cumprir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de
Educação (matricular todas as crianças de 4 e 5 anos na rede
pré-escolar, seja pública ou privada, até 2016), o governo federal têm
previstos investimentos no setor para auxiliar os municípios. Em agosto
foi anunciada a intenção de se construir 6 mil novas escolas de educação
infantil até 2014. Dessas, cerca de 3 mil já estariam com os projetos
aprovados.
Investimento no futuro
Estímulos nos primeiros anos de vida fazem toda a diferença
A forma como a educação infantil passou a ser vista pelo poder
público se deve muito à pesquisa do professor norte-americano James
Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000. Segundo ele, é a
partir dos 3 anos de idade que começam a surgir as características
pessoais decisivas para um bom desempenho na vida social,
possibilitando, inclusive, ascensão econômica. “Baseado em projetos
desenvolvidos nos Estados Unidos, Heckman constatou que cada dólar
investido na educação da primeira infância deu um retorno de nove
dólares para a sociedade”, explica o doutor em Educação pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Malheiro.
Eduardo Queiroz, diretor-presidente da Fundação Maria Cecilia Souto
Vidigal, especializada em pesquisas sobre a primeira infância, também
atribui a Heckman parte da relevância que o tema ganhou. O grau de
detalhamento dessas pesquisas chega a mostrar que crianças devidamente
estimuladas na primeira infância têm menos chances de abandonar a escola
quando chegam ao ensino médio, e tendem a ter salários 36% maiores do
que aqueles que não receberam suficiente atenção até os 4 anos.
Para a psicopedagoga e professora da PUCPR Maria Sílvia Bacila
Winkler, a educação infantil é o melhor investimento que os pais podem
fazer entre todos os ciclos da educação. “Esses seis primeiros anos de
vida são a base de todas as outras aprendizagens”, afirma.
CAMPEÃ DE ACESSOS: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/2012/09/as-raposas-e-o-galinheiro-refletindo.html
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