Leitura na prática
Terça-feira, 25/09/2012
Antonio More/ Gazeta do Povo
Teixeira Coelho no Centro de Curitiba,
cidade na qual vai organizar uma bienal em 2013: “Cultura dispensa
números para confirmar sua importância.”
Não
esperem do intelectual José Teixeira Coelho Netto odes às ocupações
urbanas, elogios ao movimento pró-bicicletas e defesa visceral das
mostras de arte feitas nas ruas. “Não sou um entusiasmado dessas
manifestações”, admite. Mas podem contar com ele para levar exposições
às praças e às esquinas. Contradição?
Da mesma maneira, que ninguém caia na fiúza de que Teixeira, como é
chamado, vá defender números e índices, quase que suplicando para
incluir a cultura entre os grandes problemas do mundo, mesmo sendo
expert no assunto. “A época de usar esses argumentos já passou”, avisa, a
seco, sem deixar de ostentar números que fazem do Museu de Arte de São
Paulo, o Masp, do qual o diretor, o museu mais movimentado da linha de
baixo do Equador, com 350 mil visitantes ano.
A conversa com Teixeira é assim – um gato e rato no combate ao lugar
comum. E nem poderia ser diferente. Nos últimos 30 anos, o pesquisador
se tornou, com folga, a maior referência em questões culturais Brasil,
com tudo o que isso implica. Não é assunto para amadores, daí sua
dureza. É dele o inigualável Dicionário crítico de política cultural,
recentemente relançado pela Editora Iluminuras, obra na qual mostra sua
fluência em assunto tão díspares como o imaginário e o mecenato. Talvez
por saber demais, não se rende tão fácil a discursos prontos, preferindo
manter-se “um clássico”. Para ele, a cultura se impõe. Eis o princípio
de onde parte.
Teixeira Coelho é o terceiro entrevistado da série Leitura na Prática
[confira no site as edições anteriores, com o escritor Domingos
Pellegrini e o pesquisador Felipe Lindoso]. Com fala cortante, bate o
pé, como de praxe, no lugar da cultura no desenvolvimento das cidades,
nas falhas da educação para a arte, no descaso dos governos. “Se falta
cultura, falta tudo”, resume, num misto de melancolia e teimosia.
Occupy, bicicletadas, manifestações por ciclovias... A classe
média manifesta cada vez mais seu desejo pela cidade, não raro com,
arte e criatividade. A cultura tem ajudado as pessoas a tomar posse dos
espaços?
Confesso que não sou um entusiasmado com esses movimentos todos
[risos], mas não dá para ignorar o efeito que têm. Qual o efeito de uma
avenida aberta para pedestres no fim de semana? É hipocrisia, mas é um
gesto simbólico, e acredito na força do gesto simbólico. A cultura pode
ser sim um elemento de tomada de posse da cidade...
O senhor é o curador da próxima Bienal de Curitiba, em 2013. Vai colocar a cultura na rua?
Queria quer todas as mostras fossem na rua. O uso do espaço público
seria o mais interessante. Mas as pessoas querem que seja no museu.
Penso assim: a maior parte da nossa arquitetura é feita por engenheiros e
arquitetos com falhas de formação. Acredito que uma intervenção
artística, mesmo que provisória, como numa bienal, pode ajudar a
melhorar o espaço urbano. Sou um otimista.
Há quem diga que a cultura tem se tornado um evento, a
serviço das chamadas “cidades espetáculo”, nem sempre cidades de
verdade. Em vez de profundidade, barulho. O que acha?
Não tenho resistências à ideia de “cidade espetáculo”. O homem gosta
de espetáculo. O espetáculo é fundamental, é intrínseco ao ser humano.
Não confundo espetáculo com artifício, o que não passa de uma casca, sem
muito interesse. Não faço parte da demagogia que procura censurar o
espetáculo. Uma cidade pode ser um espetáculo para ela mesma. É o que
queremos. Mas precisa ter consistência, solidez. Se é para soltar fogos
que duram dois minutos, não tem nenhum valor. Cultura precisa enraizar.
Existe algum segredo para evitar o efeito fogos de artifício?
Como trazer a arte para o cotidiano, sem se render ao fascínio do
espetáculo...
Não sei se vamos chegar a um ponto em que uma sociedade será
artística durante as 24 horas do dia. Não tenho a ilusão de que um
evento artístico deva ser prolongado, embebendo a vida das pessoas
indefinidamente. A arte é um interruptor do fluxo cotidiano. A
sequência, a continuidade, nada tem nada a ver com cultura, mas com
ações utilitárias, imediatistas, artificiais. Não há nada contra ao fato
de um determinado evento quebrar a rotina. A alternância é importante.
Acho que tem de haver, sim, é uma continuidade das ações. Uma bienal que
aconteça uma vez é um projeto falido. Aliás, isso é Aristóteles. Estica
e distende. É o princípio da poética de Aristóteles.
Como agente cultural, o senhor tem a preocupação de interferir na vida da cidade?
Estou um pouco cansado dessa história de que o curador tem de cuidar
de tudo – inclusive de interferir na rotina da cidade. Mas não é preciso
ter essa ilusão de que vai dominar tudo. E para falar a verdade não
acho que fazer cultura hoje seja muito diferente de outros tempos. Penso
qual era o papel de um curador na época de Lorenzo de Médici. O sujeito
também tinha de pensar o que ia acontecer se colocasse uma escultura de
Michelângelo aqui ou ali. Se seria um presente para a cidade. Se
importunaria as pessoas. Nada mais trivial... Perturbar a vida da
cidade? Isso não existe. Existe um conjunto de pessoas interessadas no
urbano...
Você arriscaria falar da personalidade de Curitiba?
Você arriscaria falar da personalidade de Curitiba?
Venho para Curitiba não é de hoje. Digo que é um lugar agradável.
Meus amigos curitibanos detestam essa fala. [rsss] Veem erros em tudo e
dizem que aquilo que eu elogio foi feito para as pessoas consumirem. É
verdade que estou ficando abismado com o trânsito. Conheci uma Curitiba
civilizada e agora vejo um monstro sobre rodas. Levei uma hora e meia
para chegar do aeroporto ao Centro da cidade. Mas mesmo assim, discordo
que não seja boa. É uma cidade mais verde, que preservou a arquitetura
do passado. Por outro lado, sei que como toda cidade brasileira falta
muita coisa para Curitiba melhorar sua convivência com a cultura. A arte
pode fazer o papel de tirar as pessoas da rotina, uma rotina às vezes
insensível, automática, inconsciente. Talvez elas nem parem mais para
pensar se a cidade é bonita ou é feia, agradável ou não. A arte tem de
fazer pensar, olhar. E olhar vai ter alguma consequência.
O que nos falta para ser um país que acerte o passo com a cultura?
Tudo. [risos] Qual o indício disso? A verba do Ministério da Cultura
só perde para a do Ministério da Pesca, que ninguém sabe direito o que
é. Eis um sinal claríssimo da irrelevância da cultura. Além de que o
ministro não participa de reuniões importantes sobre uma Transpantanal,
por exemplo. Ele fica cuidando da cereja do bolo. Vamos para os EUA, que
todo mundo adora massacrar, chamando de um país de ignorantes e de
prepotentes... Mas lá a sociedade civil sabe que tem dever de cuidar da
cultura. E cuida. Aqui há uma brecha muito grande. A cultura não está no
sistema de ensino, a cultura não está na cidade nem no modo de usar a
cidade. Se falta cultura, falta tudo.
Um índice ajudaria a provar que a cultura, por exemplo, dá dinheiro – uma linguagem que os governos e empreendedores entendem...
Já temos índices culturais. Não servem para nada. A afirmação de que a
cultura pode ser transformada em números foi necessária na segunda
metade dos anos 80 e dos anos 90. Hoje não adianta nada. Não é problema
do Banco Mundial. Há tentativas de associar o índice de desenvolvimento
de um país não ao PIB, mas à felicidade, por exemplo. Mas é vago. Não
cola. Os políticos continuam a considerar cultura como acessório.
Precisamos é formar gente, convencer as pessoas que estão no poder de
que sem cultura e sem arte não há desenvolvimento.
Como? Com estudos de caso...
Chegamos a utilizar índices socioculturais como uma estratégia de
convencimento. Mas muitas pessoas acabaram fazendo disso uma Bíblia. A
questão é que cultura e a arte não precisam ter sua necessidade
confirmada em números. Ou você acredita que é importante ou não há dado
que convença disso. Qual nosso problema? Uma tremenda falta de educação.
A França tem consciência clara de que se sustenta na cultura e na arte.
Claro, a França tem tecnologia. Mas pergunte a um francês o que ele
acha mais importante – o Airbus ou a língua francesa. É a língua
francesa.
Quer outro exemplo. A Coréia saltou para quinto lugar nas Olimpíadas. Vende mais avião que o Brasil, faz avião de caça. [risos] Como conseguiram isso? Com educação. O professor lá é uma das três profissões mais respeitadas que existe. O que é o professor no Brasil? Até meados da ditadura militar, professor de universidade recebia como juiz. Reúna 500 professores da escola privada, olhe para eles: você vai sentir a alma desfalecendo a seus pés, só de olhar. Estão completamente abandonados. Como é que esse país quer ser emergente com o abandono da educação e da cultura?
Quer outro exemplo. A Coréia saltou para quinto lugar nas Olimpíadas. Vende mais avião que o Brasil, faz avião de caça. [risos] Como conseguiram isso? Com educação. O professor lá é uma das três profissões mais respeitadas que existe. O que é o professor no Brasil? Até meados da ditadura militar, professor de universidade recebia como juiz. Reúna 500 professores da escola privada, olhe para eles: você vai sentir a alma desfalecendo a seus pés, só de olhar. Estão completamente abandonados. Como é que esse país quer ser emergente com o abandono da educação e da cultura?
Que setor mais lhe frustra... A escola é insensível à cultura?
Totalmente. Costumo dizer que o último momento em que a criança tem
favorável à arte é no pré-primário. Depois disso vem o massacre imbecil,
fadado ao fracasso, de instrumentalizar a criança. Ruína total. E essa
ruína chega às universidades – às melhores universidades. A educação no
Brasil é a mais desculturalizada que conheço. Todo mundo ri do americano
porque ele não sabe onde fica Brasília. E daí? Melhor é saber como o
americano cuida de seus universitários. O ideal do humanismo desapareceu
totalmente. Não estou dizendo que deva haver formação em filosofia para
todos. Mas hoje o jovem entra na universidade e vê que a universidade é
mais do mesmo. Um fracasso enorme
CAMPEÃ DE ACESSOS: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/2012/09/as-raposas-e-o-galinheiro-refletindo.html
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