Disseram que “tudo” ia parar na internet. Uns desmontaram suas bibliotecas. Outros reagiram criando espaços para a leitura.
30/09/2012 | 00:06 | Diego Antonelli e José Carlos Fernandes
Marcelo Andradre/ Gazeta do Povo
Maicon Arruda, há sete meses voluntário na Biblioteca Comunitária da Vila das Torres: os livros ainda chegam no lixo
Aconteceu
em 2009. Um grupo de moradores da Vila das Torres, zona de ocupação das
mais antigas de Curitiba, se deu conta da quantidade de livros
encontrados no lixo recolhido pelos carrinheiros. Estima-se que a
reciclagem ocupe 30% dos cerca de 8 mil habitantes do local. Foi essa
gente, a seu modo, que reuniu o primeiro milheiro de títulos, colocou
numa sala emprestada por José Francisco Sanches, o Baleia, chamou as
crianças para ver e se tornou um assunto sem fronteiras. A Biblioteca
Comunitária da Vila das Torres virou um símbolo da cidade.
Pudera.
Nesses tempos velozes em que muitos adiantaram que os livros de papel
morreriam, os mesmos livros chamaram atenção para uma vila mais
conhecida pelo noticiário policial. Comovidos, muitos levam cestas de
romances e gibis até lá, engrossando o acervo que beira os 2,5 mil
exemplares. A turma da Torres não ficou imune ao acontecido. Fala com
orgulho da biblioteca.
Na balança
Analistas indicam os melhores espaços de leituraA série Leitura na Prática perguntou a cinco especialistas o que faz de um espaço de leitura um espaço adequado. Foram consultados o arquiteto Manoel Coelho; a educadora Margareth Fuchs; a pesquisadora Elisa Dalla Bona; a biblioteconomista Suely Ferreira da Silva, e a presidente do Conselho de Biblioteconomia do Paraná, Marta Sienna.
“A biblioteca tem que ser algo encantador, onde as pessoas possam se encontrar, bater papo sobre os livros.
Participar de projetos, de encontros com escritores”, observa Elisa Dalla Bona. Este é tom da conversa. Foi-se o tempo do silêncio de velório e dos livros guardados a chaves. Espaço que se preste à leitura garante a paz e a ordem, mas também dinamismo, estímulo e garantia de que ali nenhum dia é igual ao outro.
Entre os espaços citados pelos entrevistados como modelares se destacam a Biblioteca Pública do Paraná, pela grandeza do acervo e por garantir o encontro dos usuários com grandes autores; A Biblioteca da Universidade Positivo, que tem arquitetura arrojada e é aberta à comunidade vizinha; E a Biblioteca da Vila das Torres, símbolo da resistência da leitura na capital.
Curiosidades
Minibibliotecas pelas praçasEm Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, foram instaladas pela Secretaria de Cultura cinco minibibliotecas pela cidade. O projeto funciona desde o dia seis de setembro. Cada minibiblioteca tem um acervo de 30 títulos, sendo 10 infanto-juvenil, 10 infantil e 10 de literatura adulta. Os acervos são verificados a cada 15 dias por funcionários da Divisão de Literatura, para avaliação dos pontos e possível renovação e reposição de acervo. Os empréstimos são realizados sem a burocracia habitual de preenchimento de fichas ou cadastros – funciona na base da confiança de que a pessoa irá devolver a obra.
As bibliotecas estão disponíveis na Praça João Paulo II (em frente à Câmara Municipal), na Praça Doutor Vicente Machado e na Praça São Vicente de Paulo. Também existem os espaços na Unidade de Saúde do Tupy e no Núcleo Integrado de Saúde (NIS III).
Informações pelo telefone da Divisão de Literatura: (41) 3905-6065.
Viagem literária
Em Avaré, no interior de São Paulo, há o projeto "Embarque nessa viagem", idealizado pela prefeitura, que disponibiliza livros na rodoviária. A ideia do projeto é fazer com que o usuário aproveite o tempo de espera do ônibus para ler. A meta é incentivando o hábito da leitura. A atividade começou no mês de agosto e se manteve em setembro. Ela será realizada durante três dias dos meses de outubro, novembro e dezembro. A pessoa pode ler os livros no local, levar para a casa com devolução no mês seguinte ou, levar o livro sem precisar devolver, como doação.
Anatomia das bibliotecas
Iluminação. Um café. Um convite para quem entende dos livros dar uma palavrinha. Os espaços dedicados aos livros podem sim perder a sisudez e ganhar adeptos.Analistas mostram como e por quê. Leia.
Próxima semana
A escola – afinal – promove ou afugenta o leitor? O tema mobiliza pesquisadores e acende paixões.
O espaço hoje funciona no Clube de Mães e atraiu um voluntário
tão inspirador quanto a biblioteca. Maicon Arruda, tem 21 anos, cursa
Odontologia e gasta a maior parte do seu tempo na lida com os livros. É
da vila. Calcula ter catalogado 1,5 mil títulos, nas horas vagas, porque
nas “horas gordas” o que faz mesmo é ajudar a piazada da região nas
lições de Matemática. Também faz contação de histórias. E dá conselhos
aos candidatos à literatura.
Ainda chegam livros do lixo – o que explica a excentricidade do
acervo. Está ali uma edição de O Capital, de Karl Marx, e a biografia de
Obama, escrita por David Remnik. O que não para nas estantes, contudo, é
a série Crepúsculo. E o título do coração de Maicon, O segredo, de
Rhonda Byrne, que indica sempre que consultado pelos 30 usuários dia que
atende. “Tem quem não saiba ler. Com esses eu sento, abro um livro de
imagem e vou conversando”, conta o jovem que lembra figuras como Otávio
Júnior, criador da “barracoteca” do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.
A Biblioteca Comunitária da Vila das Torres é o exemplar mais famoso
de um movimento informal que varre as cidades – o de culto aos espaços
alternativos de leitura. São incontáveis. Há quem transforme saletas de
prédios em espaços para ler – como o fotógrafo Alberto Viana [assista
vídeo]. E quem se ocupe de dividir todas as sobras de livros por lugares
onde possam ser reaproveitadas. É o caso de Josiane Mayr Bibas, 52, e
Ângela Marques Duarte, 51, há um ano à frente da Freguesia do Livro.
O projeto nasceu por acaso. Depois de 25 anos atuando como
fonoaudiólogas, as duas decidiram doar o acervo de livros infantis que
guardavam nos consultórios. Desembarcaram com as caixas na Vila Zumbi,
em Pinhais. “Tudo cheirozinho e arrumadinho”, como lembra Ângela. Foi
quando descobriram que sabiam muito pouco sobre a realidade de lugares
em que o livro é um luxo, e que por isso mesmo, sem a ação dos
mediadores, estavam muito próximos do lixo. “A primeira experiência foi
meio autofágica”, diverte-se.
Ouvi-las falar da aventura que viveram é uma escola. Não pararam mais
de reunir exemplares descartados. “Um dia alguém dizia – ‘preciso abrir
espaço nesta sala’ – e lá estávamos nós, carregando enciclopédias”,
lembram. Josiane teve a ideia de oferecer na internet os livros sob sua
custódia. Surpresa. Pensava que viria um pedido do Cajuru, mas recebeu
um pedido de Xapuri, no Acre. “Viramos aquelas pessoas que ao saber que
alguém vai viajar perguntamos se podem levar uma caixa de livros...”
Não pensem em caixas molambentas, com o fundo caindo. São caixotes
reciclados, com a logo da Freguesia. Os livros estão bem apanhados e
selecionados, a depender do interesse do freguês. Uma escola de inglês
adorou a seleta que a dupla preparou. Do contrário, os livros cairão em
desgraça. Alguém quer Dale Carnegie de 30 anos atrás? Elas têm.
Não é difícil prever que a iniciativa toma todas as tardes das
idealizadoras. Marcam tudo num mapa. Calculam ter enviado caixas de
livros a 50 lugares pelo menos. Planejam agora ir a feiras e praças e
pousadas. E seguem com o atendimento ao Eco Cidadão, nos quais
instalaram velhas Barsas para carrinheiros. “Quem disse que não servem
mais?”, desafiam. Abandonada, só a ideia de comprar um ônibus, enchê-los
de livros, levando às últimas instâncias o espírito de Thelma e Louise.
De resto, não lhes falta estrada. “Vamos a lugares que sequer
imaginávamos existir. A gente liga o GPS e pronto”, conta Josiane.
O poder público parece ter passado por febre semelhante à da
Freguesia. Há dois anos, a Fundação Cultural de Curitiba criou 15
espaços inusitados de leitura. São o que há. Funcionam em terminais de
ônibus e não raro em formatos que afugentam o pior inimigo do livro – a
indiferença.
Não é a única qualidade do programa. Os acervos são seletos. E os
atendentes – alçados ao status de mediadores de leitura – estudam em
universidade e são leitores confessos. “Eu me sinto formando gente para o
livro. Mesmo quando ouvi gritos de um passageiro horrorizado com o Caio
Fernando Abreu”, lembra a acadêmica da Letras da UFPR Hellen Suzy
Santos, 20. Ela atua no Espaço de Leitura do Terminal do Pinheirinho.
Inesquecível? O morador de rua que lê para o pai na carreira de rodas.
“Ele me vê e grita: ‘Ô moça da leitura’. Quer mais?”
Reportagem mapeou iniciativas e tendências nos espaços da leitura da capital. Lista vai da biblioteca comunitária da Vila das Torres à mudança de mentalidade dos supermercados, que veem crescer em até 60% ao ano a venda de livros. Clique aqui e veja.
CAMPEÃ DE ACESSOS: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/2012/09/as-raposas-e-o-galinheiro-refletindo.html
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