sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Elis, Senna e Mário Covas



                Crises, escândalos, prisão de  políticos, julgamentos por  corrupção. Temas que  se tornaram frequentes  no  noticiário. É  neste  contexto que a  crônica “Espécies em extinção”, de Medeiros, apresenta toda  a sua  atualidade. E que neste espaço cultural partilhamos com os  amigos. Boa  leitura.

“Mário  Covas  foi candidato  à  presidência do  país em 1989  e  não  chegou nem ao segundo  turno.  Sempre foi  um  dos  homens  mais  fortes  do  PMDB e atualmente  governava o  estado  mais  importante da  Federação, mas  era  um nome  nacional restrito à  área em que  atuava.  Se  não tivesse sido  vítima de  uma  doença gravíssima e  não tivesse  reagido a ela com a lisura que lhe era costumeira, seria mais um político que, tivesse morrido de bala perdida, não receberia honras muito maiores do  que  um Anthony garotinho, governador do Rio de  Janeiro.

No  entanto, a  despedida que  o  Brasil deu a  Mário  Covas foi  da mesma envergadura das  de Elis  Regina e  de Ayrton Senna, dois ícones nacionais. Que parasse São  Paulo, justifica-se, mas  seu  velório parou o  País. Emissoras de  televisão tiraram  programas  de  grande  audiência  do  ar para  transmitir  ao  vivo o  cortejo  fúnebre  e  os  atos de  sepultamento. Artistas estiveram no  enterro. Foi um acontecimento que superou  os  limites do  que  seria  razoável para  uma pessoa  que  não  era, decididamente, um artista  popular. Quem foi  o grande  homenageado, personificado em Covas? O  Brasil reverenciou a dignidade.

Elis Regina, não há  duas. Senna, tampouco. Mas  homens corretos, capazes de  manter um nome limpo  durante toda  a  vida, deveria  haver  às  pencas. Inclusive  no  meio  político. Principalmente no  meio  político. Falta  de  decoro deveria ser  a  exceção à  regra: Maluf, um ou  dois; Covas, centenas. Mas não  sendo assim, a perda de  um exemplar valioso da  espécie  comove e  deixa  a  honestidade  ainda  mais órfã.

A  reação  coletiva de  desamparo que  a  morte  de  Mario  Covas provocou é  boa e  triste ao  mesmo  tempo.  Boa porque  demonstra que  o  brasileiro ainda reconhece a  honradez, mesmo não  convivendo muito  com ela.  E  triste pelo  mesmo motivo: não  perdemos  alguém que  tinha uma  voz  única, como  Elis, ou  um talento de  campeão, como  Senna, mas um homem comum, que  agia de  acordo  com seus  princípios, que  falava as  coisas que  pensava, que tinha   humildade em reconhecer suas  fraquezas e  coragem para  enfrentar as  adversidades: pode  isso  ser  tão raro?

Sabe-se  que,  em política, integridade é  mesmo  um luxo para  poucos, mas há muito que  desisti da  ideia  romântica de que  se trata de puro azar o  fato de  só os incompetentes serem eleitos para  cargos de  direção. É  falsa ilusão achar que  os  bons estão do  lado  de fora, e  que  se  estivéssemos no  lugar  deles, tudo seria  um oásis. De  quem é  a  responsabilidade por  uma  corja estar  no  comando, senão dos  próprios  comandados? Fico pensando em toda  aquela gente boa que  escreveu  cartazes e  foi  dar uma  última espiada  no  caixão de  Covas, como  se  estivessem se  despedindo  de uma  espécie em extinção: quantos  de nós, ocupando um cargo  público que  confere extremo  poder, que  lida com muito  dinheiro e  que obriga  negociações de todos  os quilates, manteria a  mesma dignidade até o fim? Pergunto isso  porque já vi muita  gente reclamar do  governo em altos  brados e  ao  receber um troco  a  mais, ficar de  biquinho bem fechado. De  quem nos  despedimos? Espero que  não tenha  sido de  nós  mesmos. “
                                                                                                                         Março  de  2001

BIBLIOGRAFIA
MEDEIROS, Martha. NON-STOP. Porto Alegre: L&PM, 2012, p.179-181


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