Crises,
escândalos, prisão de políticos,
julgamentos por corrupção. Temas
que se tornaram frequentes no
noticiário. É neste contexto que a crônica “Espécies em extinção”, de Medeiros,
apresenta toda a sua atualidade. E que neste espaço cultural
partilhamos com os amigos. Boa leitura.
“Mário Covas foi candidato
à presidência do país em 1989
e não chegou nem ao segundo turno.
Sempre foi um dos
homens mais fortes
do PMDB e atualmente governava o
estado mais importante da
Federação, mas era um nome
nacional restrito à área em
que atuava. Se não
tivesse sido vítima de uma
doença gravíssima e não
tivesse reagido a ela com a lisura que
lhe era costumeira, seria mais um político que, tivesse morrido de bala perdida,
não receberia honras muito maiores do
que um Anthony garotinho,
governador do Rio de Janeiro.
No entanto, a despedida que
o Brasil deu a Mário
Covas foi da mesma envergadura
das de Elis Regina e
de Ayrton Senna, dois ícones nacionais. Que parasse São Paulo, justifica-se, mas seu
velório parou o País. Emissoras
de televisão tiraram programas
de grande audiência
do ar para transmitir
ao vivo o cortejo
fúnebre e os
atos de sepultamento. Artistas estiveram
no enterro. Foi um acontecimento que
superou os limites do
que seria razoável para
uma pessoa que não
era, decididamente, um artista
popular. Quem foi o grande homenageado, personificado em Covas? O Brasil reverenciou a dignidade.
Elis Regina, não há duas. Senna,
tampouco. Mas homens corretos, capazes
de manter um nome limpo durante toda
a vida, deveria haver
às pencas. Inclusive no
meio político. Principalmente
no meio
político. Falta de decoro deveria ser a
exceção à regra: Maluf, um ou dois; Covas, centenas. Mas não sendo assim, a perda de um exemplar valioso da espécie
comove e deixa a
honestidade ainda mais órfã.
A reação coletiva de
desamparo que a morte
de Mario Covas provocou é boa e
triste ao mesmo tempo.
Boa porque demonstra que o
brasileiro ainda reconhece a
honradez, mesmo não convivendo
muito com ela. E
triste pelo mesmo motivo:
não perdemos alguém que
tinha uma voz única, como
Elis, ou um talento de campeão, como
Senna, mas um homem comum, que
agia de acordo com seus
princípios, que falava as coisas que
pensava, que tinha humildade em reconhecer suas fraquezas e
coragem para enfrentar as adversidades: pode isso
ser tão raro?
Sabe-se que, em política, integridade é mesmo
um luxo para poucos, mas há muito
que desisti da ideia
romântica de que se trata de puro
azar o fato de só os incompetentes serem eleitos para cargos de
direção. É falsa ilusão achar
que os
bons estão do lado de fora, e
que se estivéssemos no lugar deles,
tudo seria um oásis. De quem é
a responsabilidade por uma
corja estar no comando, senão dos próprios
comandados? Fico pensando em toda
aquela gente boa que
escreveu cartazes e foi
dar uma última espiada no
caixão de Covas, como se
estivessem se despedindo de uma
espécie em extinção: quantos de
nós, ocupando um cargo público que confere extremo poder, que
lida com muito dinheiro e que obriga
negociações de todos os quilates,
manteria a mesma dignidade até o fim?
Pergunto isso porque já vi muita gente reclamar do governo em altos brados e
ao receber um troco a
mais, ficar de biquinho bem
fechado. De quem nos despedimos? Espero que não tenha
sido de nós mesmos. “
Março de
2001
BIBLIOGRAFIA
MEDEIROS,
Martha. NON-STOP. Porto Alegre:
L&PM, 2012, p.179-181
CRÔNICA
INÉDITA: AS RAPOSAS E O GALINHEIRO
http://profclaudiosilva.blogspot.com.br/2012/09/as-raposas-e-o-galinheiro-refletindo.html
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