Para professores e alunos, maioria das provas usa – erroneamente – modelo só como cobrança de diferentes matérias no mesmo item
Há pelo menos 14 anos, quando o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
foi criado, um novo modelo de provas começou a ser discutido por várias
universidades. São os testes que exigem do candidato conhecimentos de
diferentes disciplinas para responder um único item. Apesar do protesto
dos mais conservadores, a interdisciplinaridade, que é usada em
avaliações mais contextualizadas e com menos exigência de memorização,
se tornou “moda” e ganha cada vez mais adeptos.
Professores e alunos, no entanto, são unânimes ao comentar que não
são todas as instituições que conseguem avançar e aproveitar o melhor
que o novo modelo pode oferecer. Nem mesmo o Enem é consenso. Pelo
menos, por enquanto. Em muitos casos, eles dizem, o que acontece é a
simples junção de conteúdos de diferentes disciplinas em um mesmo item.
Mas é possível ir além.
Está na lei que rege a educação brasileira - a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação - que os estudantes do ensino médio precisam concluir a
etapa dominando "princípios científicos e tecnológicos que presidem a
produção moderna; conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da
cidadania". Deveriam correlacionar conhecimentos e habilidades em
diferentes áreas, prontos para intervir no mundo que os cerca.
Os especialistas garantem que é muito difícil avaliar tudo isso a
partir de provas tradicionais, em que cada disciplina é cobrada de forma
separada. Já os testes interdisciplinares teriam a capacidade de aferir
se o aluno sabe relacionar a Matemática com a Física ou a História com a
Química, por exemplo. Essas provas devem medir as habilidades
adquiridas com o aprendizado dos mais diversos conteúdos.
Colunista Mateus Prado: Fuvest não entende interdisciplinaridade
"Há muito modismo sobre isso ainda, mas acho que o caminho da
interdisciplinaridade no vestibular é inevitável. É muito mais difícil
fazer uma prova interdisciplinar, mas se você quer um estudante que
saiba ler, pensar, utilizar diferentes competências para resolver um
problema, esse é o caminho", analisa o ex-coordenador dos vestibulares
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Leandro Tessler. "Com a
Matemática, você não aprende só a fazer contas. Aprende uma maneira de
pensar", ressalta.
Longo caminho
A Unicamp e a Universidade de Brasília (UnB) são pioneiras no tema.
Fazem provas diferentes entre si, mas têm a contextualização e a
interdisciplinaridade como metas. “Desde o início, nossa preocupação era
fugir da avaliação do conhecimento pelo conhecimento. Queríamos
perceber a capacidade de análise e síntese do aluno. No início, os
envolvidos na elaboração tinham grande dificuldade em dialogar com
outras especialidades”, afirma Paulo Portela, coordenador acadêmico do
Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da UnB (Cespe).
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Na Unicamp, os exames estão divididos em língua portuguesa e
literaturas; matemática; ciências humanas, humanidades e artes; língua
inglesa e ciências da natureza. Modelo bem parecido com o do Enem –
inclusive no nome das avaliações. A UnB já foi semelhante, mas hoje é
das mais radicais. As provas do vestibular ou do Programa de Avaliação
Seriada (PAS) são divididas em três partes. A primeira com foco em
línguas estrangeiras. A segunda em português, literaturas, geografia,
história, artes, filosofia e sociologia. A última, em biologia, física,
química e matemática. O que não impede que o conteúdo de uma parte
apareça na outra.
Portela recorda que a maior mudança do vestibular aconteceu em 2006,
depois de a experiência ser testada por três anos do PAS. Segundo ele, a
decisão de criar um modelo diferente de provas partiu das conversas
entre a universidade e os professores do ensino médio. “Para mim, é um
engano dizer que as provas que avaliam habilidades, como o próprio Enem,
não exploram conhecimentos. As habilidades do indivíduo são construídas
sobre conhecimentos. A matéria é a mesma, a maneira como ela é tratada
que é diferente”, diz.

Foto: Alan Sampaio
Pedro, Danilo, Daniel e Lorena acham as provas interdisciplinares mais interessantes, mas ainda consideram o Enem "fácil"
Os estudantes de Brasília, de fato, já estão bastante acostumados ao
modelo. Nunca estranharam o Enem, por exemplo, apesar de ainda
considerarem as questões do exame “simples”. “No Enem, acho a
interdisciplinaridade mais sutil, menos aprofundada. Acho que a intenção
é legal, mas falta muito ainda para chegar no mesmo nível da UnB”,
comenta Daniel Figueirêdo, 17 anos, aluno do cursinho Pódion.
Os colegas Lorena Rosa, 19, Danilo Carneiro, 18, e Pedro Luís Gastal,
17, também defendem o modelo interdisciplinar. Eles acreditam que as
provas são mais interessantes e cobram mais raciocínio dos alunos sobre
tudo o que aprenderam na escola. “Acho que, com isso, ninguém menospreza
nenhuma disciplina. A gente percebe que todas estão interligadas”, diz
Danilo.
Impacto na escola
Tessler, que iniciou as primeiras discussões na Unicamp sobre a
interdisciplinaridade ainda em 1999, reconhece que o impacto do
vestibular no trabalho das escolas é grande. “Infelizmente, é assim.
Então a gente tem de pensar na vanguarda”, define.
O professor de biologia João de Jesus Martins admite que, nas
primeiras discussões sobre o novo modelo de provas da UnB, foi dos
docentes que “torceu o nariz” para a ideia. “Achei que não daria certo e
percebi que estava errado. As mudanças tiraram os professores da zona
de conforto. Hoje, não elaboro mais questões sozinho e o ensino melhorou
muito por causa do impacto da prova nas escolas”, admite.
Martins acredita que a dificuldade é maior para os professores
do que para os alunos. “O mundo real não é fragmentado”, recorda. Ele
conta que, no Colégio Ideal, onde trabalha, docentes de diferentes
disciplinas passaram a dar “aulões” conjuntos, mostrando a relação entre
conteúdos na sala de aula.
Betina Beatriz de Oliveira, 16, e Samantha Arnaut Oliveira Mendes,
17, alunas de Martins, também defendem o modelo adotado pela UnB, pela
Unicamp, pelo Enem. Percebem diferenças entre todos, mas acreditam que a
valorização de outros saberes – como interpretação, conhecimentos
gerais, análise – é essencial. “Faz com que a gente entenda melhor o
curso das coisas, aplique o que aprendeu na vida real”, elogia Betina.
Itens imprecisos
George Gonçalves, coordenador do cursinho Pódion, acredita que há
boas provas no novo modelo e nos tradicionais. Ele recorda, por exemplo,
que alguns exames aplicados pela UnB no início dos anos 2000, eram tão
bem feitos que ensinavam. Para ele, muitos testes se tornam mais
contextualizados do que interdisciplinares e podem, em alguns casos,
gerar imprecisão na análise dos estudantes.
Portela defende o modelo dizendo que a imprecisão pode acontecer em qualquer modelo de prova. “Na minha opinião, como o PAS precisou de 15 anos
para chegar no ponto em que está hoje, o Enem também precisa de tempo
para se desenvolver plenamente. A proposta é excelente e tem tudo para
ser um grande sucesso”, opina.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/vestibular/nova-moda-nos-vestibulares-interdisciplinaridade-ainda-e-desafio/n1597727793507.html
Acesse crônicas do Prof.
Cláudio Silva, sobre educação, em: http://profclaudiosilva.blogspot.com/2011/10/cronicas-sobre-educacao-do-prof-claudio.html
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