Reflexões sobre a dislexia
* por
Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva
psicóloga
CRP 08/17715
Em
seu trabalho intitulado "Dislexia existe? Questionamentos a partir de
estudos científicos", a médica e professora da Unicamp Maria Aparecida
Affonso Moysés, expõe algumas considerações importantes acerca da dislexia. Primeiramente é válido compreender a
definição oficial aceita pela Associação Internacional de Dislexia (AID) e pela
Associação Brasileira de Dislexia (ABD), que a define como sendo uma
dificuldade de aprendizagem de origem neurológica, caracterizada por um déficit
com a fluência correta na leitura e na habilidade de decodificação e
soletração.
A
autora explica que a ciência médica têm afirmado que a dislexia é uma doença
neurológica, mas até o momento não conseguiu comprovações científicas apuradas
que assumam tal posição. A crítica levantada por Moysés evidencia que o
diagnóstico é realizado exclusivamente por meio de leitura e escrita, mas tais
dificuldades "vão aparecer em toda pessoa que tiver dificuldade com
leitura e escrita." Assim, é possível pensar que toda pessoa com um défict
na alfabetização apresentará essas dificuldades, ou então, se dermos um texto
em inglês para um bom leitor norte-americano ele será considerado normal, mas
um texto em espanhol para o mesmo leitor poderá resultar em um indício de
dislexia. Isso pode ser explicado pela forma incoerente que os diagnósticos
estão sendo realizados.
O
fato é que se a dislexia fosse considerada um problema no processo de
alfabetização, o instrumento para diagnóstico deveria estar relacionado à
leitura e escrita. No entanto, considerar uma doença neurológica analisando
apenas leitura e escrita, é algo que está fora do discurso científico. "Eu
não posso usar um instrumento feito para quem sabe ler, para avaliar quem não
sabe ler e, dizer que quem não souber ler tem uma doença neurológica, um
distúrbio" (MOYSÉS). Desse modo, corre-se o risco de perder de vista a
criança e o adolescente por trás de um diagnóstico de uma doença não
comprovada, ou seja, perder o sujeito que existe em sua singularidade e
complexidade.
É
fato que a neurologia possui outros intrumentos para evidenciar a existência da
dislexia, mas essas justificativas não esclarecem muita coisa. Tem-se então
várias explicações: alteração genética, alterações anatômicas, alterações
funcionais captadas por neuroimagem. Em todos esses casos não há uma
convergência entre os autores, cada grupo sustenta uma ideia diferente e nenhum
conseguiu de fato explicar, seguindo um rigor científico adequado e coerente.
Segundo
Moysés, os exames de neuroimagem são realizados por aparelhos sofisticados e
que contribuíram imensamente para o avanço da medicina. O problema não é o
aparelho, mas o uso do mesmo para o diagnóstico de dislexia. Para que o exame consiga
detectar a área do cérebro que entra ou não em atividade na leitura, é preciso
que a área seja ativada por meio de textos dados à pessoa, ou tarefas em que se
usa a linguagem escrita. "Voltamos à questão inicial: como eu o diferencio
de um analfabeto? Não existe essa resposta."
Além
de tudo que foi exposto, a autora citada enuncia ainda que por trás de um
diagnóstico de dislexia e TDA/H, encontra-se os interesses da indústria
farmacêutica. "[...] 11% dos médicos paulistanos reconhecem já terem recebido
brindes valiosos de indústrias farmacêuticas." Essa discussão é relevante
porque estudos revelam que cerca da metade das pessoas diagnosticadas com
dislexia, também recebem diagnóstico de TDA/H. A preocupação de Moysés se
refere ao crescente número de crianças no Brasil e no mundo fazendo uso de
Ritalina e Concerta, e não é novidade que em certos casos de adultos que param
de tomar o medicamento surge o aumento da incidência de uso de cocaínas pois
sabe-se que o mecanismo de ação da Ritalina é o mesmo da anfetamina e cocaína.
Soma-se a isso as reações adversas do medicamento, bem como o risco para o
sistema cardiovascular, entre outros.
Moysés
tenta alertar nesse texto, a importância da defesa dos direitos da criança e do
adolescente, inclusive "o direito de não tomar um remédio que pode
matar". O direito que garante o aprendizado às crianças, e que a escola
possa avaliar as possibilidades e necessidades de acordo com a individualidade
de cada uma, ajudando-as a superar seus limites. Nesse contexto, considera-se a
dislexia para além de um distúrbio neurológico, mas como influenciado pelo
contexto social, histórico, cultural e geográgico em que nos situamos.
A
leitura das ideias expostas pela médica Moysés pode em um primeiro momento
chocar e até causar estranhamento. Minha intenção não é a de que desacreditemos
em uma explicação em prol de outra, mas que possamos refletir outras
possibilidades de se pensar a dislexia e os problemas de aprendizagem, como
estando inseridos em um contexto social maior que os influencia. Muitas
crianças estão sim, sendo amordaçadas indevidamente por medicamentos que oferecem
respostas "milagrosas" ao mau comportamento, indisciplina e agitação.
Mas para que? Para quem? Acredito que esse seja tema para outra reflexão.
Realizei aqui uma breve apreciação dos argumentos proferidos pela autora
supracitada, por isso convido àqueles que quiserem aprofundar o entendimento
exposto, para que leiam na íntegra o artigo base.
Fonte:
MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. Dislexia existe? Questionamentos a partir de
estudos científicos. Disponível em:
<http://www.crpsp.org.br/dislexia/seminarioDislexiaTranscricoes_04.aspx>.
Acesso em: 09 de abr 2012.
- Maria Aparecida Affonso Moysés - Médica pediatra e Doutora em Medicina pela USP; Livre-Docente em Pediatria Social pela Unicamp; Professora Titular de Pediatria na Unicamp. Pesquisa as relações entre saúde, aprendizagem e desenvolvimento de crianças e adolescentes.
- Cláudia Yaísa Gonçalves da Silva é psicóloga graduada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); cursa especialização em Psicanálise pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR); é aluna especial do mestrado em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo (USP).
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